Vida longa a Denis Mukwege: o médico que já atendeu 21 mil mulheres vítimas de abuso sexual

Medico
Pela sua “extraordinária ação humanitária” receberá na próxima segunda-feira, em Lisboa, o Prêmio Calouste Gulbenkian 2015, no valor de 250 mil euros

Quando estudou ginecologia e obstetrícia, Denis Mukwege, 60 anos, não tinha ideia da missão que a vida profissional lhe reservaria. Ao invés de partos, o médico, natural da República Democrática do Congo (RDC), realiza cirurgias reconstrutivas em mulheres vítimas de abuso sexual. Até hoje, 21 mil já foram atendidas por ele, que trabalha Hospital de Panzi, em Bukavu, fundado em 1999.

Pela sua “extraordinária ação humanitária” receberá na próxima segunda-feira (20 de julho), em Lisboa, o Prêmio Calouste Gulbenkian 2015, no valor de 250 mil euros. Todo o dinheiro será destinado ao projeto que desenvolve com vista a integrar as vítimas de violação nas comunidades, após serem tratadas no hospital.

O mesmo que fez com os recursos obtidos com outras distinções que recebeu, como os prêmios dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 2008, Olof Palme para resultados excepcionais na promoção da paz, o título de “cidadão do mundo” da Fundação Carter, e o Sakharov, no ano passado, entre outros.

A primeira paciente que atendeu atendida no Hospital de Panzi havia sido vítima de violação e estava com vagina e o reto destruídos por uma faca. Na unidade, já chegou a trabalhar 18 horas seguidas, operando dezenas de vítimas de violação num só dia.

Segundo seu relato, as mulheres chegam com lesões internas gravíssimas. Só na região de Kivu do Sul, onde se situa Bukavu, dados das unidades de saúde locais citados recentemente pelo jornal britânico The Guardian dão conta que, ainda hoje, 40 mulheres por dia são alvo de violência sexual.

Todas as quinta-feiras, Mukwege dá consultas no hospital. Às sextas opera. Em declaração feita ao jornal português “O Público“, ele relata que a média de atendimento no hospital este ano está em seis vítimas por dia.  A maioria são adultas, mas também há crianças, “às vezes com menos de cinco anos”.

Muitas mulheres que chegam ao Hospital de Panzi foram violadas por grupos de homens. Muitas não sabem dizer quantos foram porque, quando aconteceu, desmaiaram. Maridos e filhos muitas vezes são obrigados a assistir às violações.

O médico diz que algumas das vítimas chegam com órgãos destruídos com baionetas, pedaços de madeira, espingardas  — os violadores querem garantir que ficam estéreis. Muitas retornam ao hospital, porque voltam a ser atacadas.

Em novembro de 2014, o Parlamento Europeu emitiu um comunicado que relatava esta triste situação na RDC: “Alimentados pelo ressentimento étnico, pela impunidade que resulta da fragilidade do estado e pelos lucros do roubo e exploração ilegal de recursos naturais, os grupos armados proliferam.” São as milícias, mas também, em muitos casos, membros das próprias forças armadas, que cometem estes crimes, lê-se no comunicado.

Denis Mukwege tem sido descrito internacionalmente como “um herói”, um “dos maiores especialistas mundiais na reparação e tratamento de danos físicos” provocados por violações. Ou L’homme qui répare les femmes (“O homem que repara as mulheres”), título do documentário dos belgas Colette Braeckman e Thierry Michel que se estreou este ano sobre o congolês que já foi indicado para o Nobel da Paz mais de uma vez.

Contudo, dentro de seu país ele já foi vítima de tentativa de assassinato por parte das milícias armadas que cometem os abusos sexuais. Em outubro de 2012, um grupo de desconhecidos tentou matá-lo na porta de casa, atingindo seu segurança, que foi alvejado e morto.

O jornal francês Le Monde destacou esta semana uma das frases que o médico mais repete, ao publicar matéria sobre a estreia do documentário:  “As mulheres são as primeiras vítimas” dos conflitos e “as suas vaginas tornaram-se num campo de batalha”.

De acordo com o médico, “a violência sexual nunca foi levada verdadeiramente a sério”. “Quando armas químicas são usadas num conflito considera-se que uma linha vermelha foi ultrapassada. Onde está a linha vermelha na violência sexual?”, questionou, em novembro de 2013, numa entrevista a Anne Senges, uma ex-jornalista que trabalha para o Banco Mundial.

“As armas químicas, biológicas, nucleares têm efeitos a longo prazo. É o mesmo com a violação. As pessoas aparentemente ficam vivas mas na realidade as famílias, as aldeias, as sociedades permanecem destruídas ao longo de gerações”, disse no ano passado, ao receber o Prêmio Sakharov.

Vida longa a Denis Mukwege!

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