Trump, Moonlight e La La Land

Por Cesar Vanucci *

“Trump, mesmo não compondo o corpo de jurados,
teve influência marcante no resultado do Oscar”.
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Trump Moon La la Land

Confesso, em lisa verdade, nada ter lido ou ouvido, de qualquer fonte qualificada, a respeito da hipótese aqui agora levantada. Mas, não me surpreenderei nadica de nada se, numa dada hora, inesperadamente, pintar no pedaço a revelação de que a incrível trapalhada produzida ao vivo e em cores, para centenas de milhões de espectadores, ao ensejo da entrega do “Oscar”, foi fruto de calculada e ousada marquetagem. Sacumé, no mundo dos negócios do entretenimento de alta rentabilidade prevalecem, não poucas vezes, razões que a própria razão desconhece…

Na semana que antecedeu a noitada de gala marcada pela histórica gafe, assisti várias fitas selecionadas pelo corpo de jurados de Hollywood na disputa das estatuetas. Entre elas, o badalado “La La Land”. Da lista apontada só ficou faltando, pra ser visto, o “Moonlight”, que acabou, como sabido, no frigir dos ovos, arrebatando o troféu mais cobiçado entre as premiações. Animei-me a ver o filme logo no dia seguinte.

“Moonlight – Sob a Luz do Luar” é uma película danada de instigante. Propõe o estudo de um personagem que atravessa fases da vida sufocado por repressões culturais e mundanas. A construção da história desenrola-se de forma talentosa, dentro de moldura estética apreciável e com razoável sensibilidade poética. O enredo é todo ambientado em cenário onde predominam vivências e sinais culturais de uma comunidade negra inserida no contexto urbano estadunidense.

Cabe sublinhar, a esta altura, que a produção foi toda concebida em moldes que pudessem repassar às plateias a ideia de uma cinematografia pujante derivada do mundo artístico constituído por figuras exponenciais de descendência negra. Diretor, autores, atores, técnicos, gente detentora de reconhecida capacidade profissional e inegáveis dons artísticos, foram recrutados na comunidade afro-americana para integrar o elenco e ocupar os postos relevantes da ficha técnica do espetáculo. O intuito visível parece ter sido o de uma proclamação solene de que o talento artístico não tem coloração racial ou ideológica. E isso fica bem estampado na obra chegada às telas.

Chiron, de descendência afro, personagem central, é na infância e puberdade impiedosamente alvejado pelo racismo e “bulling”. Inconsciente de sua homossexualidade, vê-se às voltas constantemente com problemas tormentosos advindos da convivência com a mãe, viciada em drogas. Chega à fase adulta como um pequeno traficante, de certa forma empedernido, que impõe sem dificuldades, com trato abrutalhado, liderança autoritária aos integrantes de sua patota. Em momento algum deixa trair, diante dos “companheiros de profissão”, sua inclinação sexual. Um colega de infância, distanciado no tempo e no espaço, evocando reminiscências dos tempos escolares, é quem induz seja trazida à tona a tendência reprimida do brutamontes.

Apontado por alguns como um retrato universal da solidão, “Moonlight” impressiona bem pelos desempenhos, fotografia e cenas criativas traçadas por direção capaz, que consegue se desvencilhar dos riscos da fita descambar para melodrama vulgar. É interessante consignar que, à parte seus irrecusáveis méritos, o filme não conseguiria provavelmente, noutro momento, atingir a conquista celebrada, ao defrontar-se com a perspectiva de enfrentar um esplendoroso “La La Land”. A comédia musical em causa, espetáculo do ponto de vista cinematográfico simplesmente eletrizante, seria noutras circunstâncias concorrente imbatível.

Para que “Moonlight” alcançasse o topo na premiação concorreu bastante a desassossegante onda de obscurantismo cultural e político que se abateu sobre a vida americana, com indesejáveis reverberações noutros países, após a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A vigorosa mensagem social de repulsa à intolerância embutida na narrativa cativou a legião de jurados. O “Oscar” de 2017 teve, assim, o sentido de uma manifestação grandiloquente – outra mais – de expressa condenação da inteligência estadunidense aos descaminhos trilhados pela Casa Branca na equivocada interpretação dos rumos civilizatórios de seu atual mandatário.

O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Bloga Mundo Afora

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