Faces do Brasil brasileiro

Por Cesar Vanucci *

Meu Brasil brasileiro (…) vou cantar-te nos meus versos.” (Ary Barroso, em “Aquarela do Brasil”)

Considerada pela Academia Brasileira de Letras como a obra musical que melhor reflete o espírito nacional, a “Aquarela do Brasil”, de autoria do genial Ary Barroso, mineiro de Ubá, completou este mês 80 anos. Seus lindos acordes e imponentes versos tornam-na amada e conhecida, no sentimento popular, como uma espécie de segundo hino nacional. Não tem como não sentir certo frêmito cívico na espinha quando se alteiam os sons inconfundíveis do “Brasil brasileiro”, do mulato inzoneiro, do samba e do pandeiro, exaltado em expressões de perene beleza e colorido humano. Cabe aqui rememorar singular emoção que vivi, em 2003, nas altitudes himalaianas de Lhasa, Tibete, ao ouvir, inesperadamente, num bar, um pianista extrair do teclado a nossa “Aquarela”.

O grau de comoção que experimentei alcançou tal magnitude que cheguei a imaginar a hipótese de não conseguir resistir aos batimentos acelerados do coração. Passei até a criar na mente os transtornos que poderiam resultar de indesejável eventual traslado de meu corpo, daquelas lonjuras, até Belo Horizonte. O estado de espírito alterado foi, felizmente, desfeito com um chá terapêutico. Cedeu lugar a prazerosa serenidade. Recomposto do abalo, pude até mesmo desfrutar da alegria de acompanhar, aplaudir, a ponto de cantar, outras melodias da incomparável música popular brasileira, saídas magicamente do piano.

Para quem eventualmente ignore o fato, seja revelado ainda que Ary Barroso, seguramente o maior compositor brasileiro de todos os tempos, com lugar garantido no panteão universal da criação musical, compôs quase 500 lindíssimas canções. A “Aquarela do Brasil” nasceu de um impulso único, num momento de súbita inspiração. Numa reunião em sua casa, diante de reduzida plateia composta de familiares e amigos, ele sentou-se ao piano, arrancou da cachola fértil a linha melódica, foi encaixando sem vacilações as palavras e, pronto, em curto espaço de tempo, inventou para embevecimento do mundo a melodia imortal.

Está certo, não há como desconhecer que as denúncias do presidente Jair Bolsonaro foram feitas em instante de descomedida irritação. Bem naquele manjado estilo belicoso, de feição revanchista, por ele comumente empregado quando das dificuldades pessoais que encontra na lida com o contraditório. Mas, mesmo postas assim as coisas, impõe-se admitir que os fatos narrados na fala do chefe do governo foram recebidos com visível desencanto pela opinião pública. Essa história, não devidamente contestada pelos interessados, de que alguns influentes personagens na área da comunicação social se deixaram também envolver em mutretas do tipo das que são praticadas por políticos inescrupulosos, objeto naturalmente de condenações em suas pautas de divulgação, soou mal prá valer. E com agravante.

O silêncio tumular, de iniludível cunho corporativista, que a mídia eletrônica entendeu de estabelecer a propósito do assunto. Tá danado!

Integrantes dos poderes Executivo e Legislativo de Minas Gerais parecem mesmo firmemente empenhados em tocar pra frente, em que pese a manifesta discordância da comunidade, a manobra da privatização da Cemig. Deixam explícita, em reiteradas declarações, a disposição de atropelar a norma constitucional que rege a matéria, na consecução de seus objetivos. Terão que enfrentar, em determinada hora, um baita problema. Não será nada fácil explicar ao respeitável público a transferência para o setor privado, de mão beijada, de ativos estimados em 4 bilhões de reais pertencentes a uma empresa estratégica e de conceito que, num um único semestre apenas, acusa no balanço, lucro superior à metade desse valor. Ora, epa

“Empresas não são corruptas”, este o título de sugestivo artigo, estampado na “CartaCapital”, de autoria do jornalista Pedro Serrano. O cerne da argumentação é o seguinte: “Quem comete crimes, muitas vezes por meio ou em nome das organizações, são pessoas físicas, que podem e devem ser punidas criminalmente ao praticar delito.” Sublinhando que nos países mais desenvolvidos, em casos de corrupção, os indivíduos que representam as empresas são severamente punidos, mas essas, em função de respeitáveis interesses econômicos e sociais, são sempre preservadas, o comentarista se reporta ao tratamento totalmente diferenciado que o Brasil adota em circunstâncias análogas.

As sanções aqui aplicadas são de um impacto tal que acabam excluindo as empresas de participar de processos licitatórios, obterem crédito, tornando-as, irremediavelmente, insustentáveis. O Sindicato Nacional de Construção Pesada e Infraestrutura promoveu, recentemente, um levantamento a respeito do que andou acontecendo com as maiores organizações do setor que figuraram, pela irresponsabilidade de seus executivos, na lista das atividades ilícitas investigadas pela Justiça. A potencialidade econômica e social dessas companhias, todas legitimamente nacionais (esse é um dado relevante a registrar), sofreu drástico encolhimento.

Em quatro anos, a receita líquida despencou cerca de 85 por cento. Um milhão de empregos formais foram riscados do mapa. Sobrou a contundente evidência de que o peso maior das punições aplicadas recaiu sobre a mão de obra das companhias, alvejando trabalhadores comuns, chefes de família, não implicados, em instante algum, nas condenáveis praticas desonestas perpetradas. O correto será cogitar de uma reavaliação na metodologia do combate intransigente, do qual não se pode abrir mão, à corrupção. Atenderá ao interesse nacional assegurar a empresas legitimamente brasileiras condições de sobrevivência. Garantia de espaço no mercado de negócios, de modo a que possam se inserir no processo da necessária e urgente retomada do desenvolvimento.

*  O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora

Artigo de 05/09/2019

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