Ato solerte e impatriótico

Por Cesar Vanucci

“Uma vergonha esse leilão da Amazônia.”
(Gisele Bundchen, abrindo o coro de vozes contra
o decreto que descaracteriza importante reserva estratégica )

Aqui dentro, muita perplexidade e indignação. No estrangeiro, naqueles redutos freneticamente engajados na conspiração contra a soberania brasileira no que concerne ao dadivoso território da Amazônia, feérica exultação.

O decreto do governo brasileiro extinguindo a Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), com o alegado objetivo de atrair “novos investimentos” para o setor de mineração, pegou de surpresa apenas os brasileiros. Lá fora, de posse já há meses de “informações altamente privilegiadas”, transmitidas – por mais inacreditável que isso possa soar – por fontes governamentais, grandes corporações internacionais vinculadas ao setor do minério, babando de contentamento, já estavam carecas de saber da solerte e impatriótica manobra…

Do que andaram certeiramente cuidando, nesse espaço de tempo previamente prodigalizado, foi das competentes “articulações negociais” com quem de direito, mode quê poderem se habilitar à exploração das colossais jazidas da reserva amazônica, atendendo naturalmente a conveniências que, como de costume, passarão ao largo dos interesses nacionais em sua plenitude.

Bastante compreensível, à vista da zorra praticada, as vigorosas reações de protesto e inconformismo ouvidas Brasil afora com alusão à medida adotada. Como já se tornou praxe no governo Temer – o mais desacreditado e impopular da história republicana -, deliberações vitais para o país vêm sendo tomadas sem as cautelas indispensáveis dos diálogos e debates frutíferos com aqueles segmentos da sociedade afeiçoados técnica, politica, econômica e socialmente com as palpitantes questões em foco.

É simplesmente inacreditável imaginar que um assunto como esse da Renca – implicando na descaracterização de uma reserva estratégica numa região que é alvo permanente da cobiça estrangeira, abrangendo fatia territorial repleta de riquezas pertencentes ao patrimônio nacional de tamanho equivalente ao Espírito Santo, maior ainda do que a Dinamarca inteira – esteja sendo tratado de forma tão irresponsável, com flagrante desrespeito ao sentimento nacional!

A área afetada é riquíssima em ouro e outros minérios de importância crucial no projeto de crescimento econômico e social de nosso país. Estendendo-se por quase 4 milhões de hectares, abriga verdadeiros tesouros ecológicos, representando um ponto de referência fundamental no processo de proteção ambiental. Qualquer providência concernente à implantação de atividades exploratórias nesse pedaço de chão há que ser subordinada a preceitos rigorosamente compatibilizados com estratégias políticas e militares exclusivamente brasileiras. Um decreto como esse, tirado suspeitosamente, sem mais nem menos, de repente, da cartola, sem o precedente de estudos amplos, gerais e irrestritos por parte de especialistas comprometidos com as genuínas causas de construção do progresso brasileiro, não pode deixar de ser rechaçado pela consciência cívica.

Encontra plena justificativa, portanto, a indignação que vem suscitando, a partir das manifestações de figuras de projeção no mundo artístico com histórico de engajamento em causas ecológicas. A modelo Gisele Bundchen foi muito inspirada quando classificou o decreto de “vergonha”, um passo dado na direção de leiloar a Amazônia. A cantora Ivete Sangalo também falou por todos nós, ao lançar o desabafo de que “chega uma hora que a gente não aguenta e dá aquele grito”. O seu brado de protesto foi ouvido com a mesma simpatia das manifestações de Cauã Raymond, Luciano Huck e outros mais, que reconheceram na decisão governamental “uma ameaça de retrocesso”, “uma brincadeira imperdoável com o patrimônio do povo brasileiro”.

Fala-se agora que, no Congresso Nacional alguns parlamentares cogitam fixar urgência e prioridade para discussão do caso. Seria extremamente desejável que eles conseguissem vislumbrar aí oportunidade de ouro para que o Legislativo, forçando o governo Temer a revogar o malsinado decreto, se recomponha, nesta hora, com o sentimento popular. Faça prevalecer, usando de suas prerrogativas, aquilo que o bom senso e o civismo apontam como o caminho a ser trilhado na nevrálgica e candente questão da Renca.

* O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Munddo Afora

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