Estimaocells: observatórios secretos de aves fortalecem preservação na Catalunha
No pequeno povoado de Vallbona de les Monges, amantes dos pássaros podem observá-los secretamente dentro dos chamados hides do projeto estimaocells, idealizado pelo médico Eduard Viver
Os admiradores dos pássaros, sejam ornitólogos, fotógrafos ou aficionados, têm um lugar especial para observá-los na Catalunha, no pequeno povoado de Vallbona de les Monges, na comarca de Urgell. O melhor é poder fazê-lo sem incomodar os animais, através do projeto Estimaocells (ama-pássaros), que visa à preservação das aves em conjunto com agricultores locais. Idealizado pelo médico Eduard Viver com a ideia de aproximar a natureza dos cidadãos, conta também com a participação das famílias deste povoado de origem medieval, com pouco mais de cem habitantes.
Nas terras agrícolas de Vallbona de Les Monges, conhecido principalmente pela presença de um mosteiro mosteiro cisterciense feminino, fundado há 800 anos, Eduard convenceu os agricultores a construírem os chamados hides (observatórios escondidos de pássaros, em tradução livre). Estes locais são pequenas cabanas de pedra seca (técnica construtiva tradicional) acondicionadas com material reciclável e camufladas no meio da vegetação local. Neles se podem observar os pássaros em sua vida selvagem e fotografá-los de muito perto.
Da pequena cabana de onde as aves são observadas, com capacidade para duas pessoas, os humanos estão separados por um vidro-espelho no qual podem ver e registrar imagens dos animais sem que possam vê-los. Atualmente existem 15 hides na região, produtora de azeitonas e uvas.
EXPERIÊNCIA – O hide de La Caseta de l’Óliva (em português: a casinha da Coruja-das-torres) é um dos 15 existentes na área, onde vivi uma experiência única. No hide, o observador está numa posição cômoda, apesar de o lugar onde se encontra ser um espaço minúsculo em meio à vegetação, no qual se recomenda não fazer ruídos ou mover-se muito. O melhor é que os pássaros, atraídos pela água, troncos e alimentos, se aproximam a uma distância que até de um telefone celular é possível registrar bem as imagens.
Em La Caseta de l’Óliva consegui observar e fotografar diversas espécies. Uma das mais espetaculares é o colorido pica-pau-malhado-grande, por aquí chamado de picot garser gros. Diante da casinha, sem se dar conta da minha presença, fez um verdadeiro desfile, junto com três outros da mesma espécie. Bebeu água, tentou perfurar os troncos onde se apoia, e voou de árvore em árvore, sereno.
Além dele, marcaram presença verdilhões, chamarizes, pintassilgos, escrevedeiras, trigueirões, peito-ruivos, rouxinóis, melros, papa-moscas e chapins, entre outros. Ora matando a sede, ora matando o calor com um bom banho na pequena poça d’agua dentro da rocha. Para arrematar, apareceu um serelepe esquilo sedento que espantava a todos quando vinha beber a sua porção de água e fugiu desaparecendo entre a vegetação tão rápido como chegou.
PROJETO – Os esconderijos de observação da vida selvagem são um dos eixos que articulam o particular projeto participativo. Tais espaços são cedidos pelos agricultores locais, que se responsabilizam por cuidá-los e também pela proteção da fauna e da flora. Esse envolvimento possibilitou a melhora da biodiversidade da área e o desenvolvimento de um setor em expansão, como é o turismo ornitológico e de vida selvagem em geral.
Mas isso não é tudo, antes disso Eduard já havia conseguido mobilizar a comunidade para acolher os pássaros através dos espantalhos convertidos em protetores das aves. Os estimaocells são convertidos em caixas ninho cujo objetivo é atrair os moixons (passarinhos, no dialeto local), oferecer-lhes abrigo e atuar como condutores da biodiversidade no território por meio de uma comunidade consciente.
No cruzamento da estrada de Rocallaura a Nalec, em Vallbona de les Monges, se pode ver uma série destes bonecos. Foi a partir desta experiência que o projeto dos hides tomou forma e cresceu, tendo como base a educação social como veículo para alcançar a educação ambiental.
Após o primeiro experimento em Vallbona, o projeto se expandiu e foi exportado para outros municípios. Segundo Eduard, em entrevista ao jornal La Bústia, “o objetivo do projeto é a biodiversidade e o que faço também é relacioná-la com a cultura. Dessa forma, os moradores têm a oportunidade de conhecer e amar a natureza e a fauna do ambiente”.
ADMIRAR E PROTEGER – Segundo Eduard, com os estimaocells foi aplicada a psicologia reversa, transformando um item conhecido para afugentar pássaros em um item de proteção, num experimento de valorização ambiental único no mundo, de mãos dadas com a comunidade. Embora sejam feitos de palha e roupas recicladas, a razão de ser dos comedouros de pássaros é atrair as aves e oferecer-lhes um lugar para viver e se reproduzir.
Todas as famílias do povoado têm seus estimaocells, cuidam deles e promovem sua manutenção. As crianças, maiores admiradoras dessas figuras sustentáveis, exercem um papel ambiental positivo sobre os adultos de tal forma que a cultura do protecionismo se estabeleceu na cidade e arredores.
Como todas as famílias da cidade têm seus proprios estimaocells, todas as propriedades particulares do município estão representadas. E dentro de cada terreno agrícola/forestal, há instalado um hide, alguns dos quais, porém de acesso restrito. Com esse trabalho socio-ambiental tem se conseguido implementar também outras ações de proteção da vida selvagem em suas fazendas. Em particular, manter caixas-ninho para corujas, falcões, além de recuperar viveiros agrícolas para anfíbios.
Tudo isso atraiu os amantes da natureza para o projeto de proteção da vida selvagem. A maior parte dos ocellaires (como são chamados os observadores de pássaros na Catalunha) já estiveram em alguns dos hides locais, admirando e fotografando a fauna presente na zona. A divulgação do projeto foi crescendo e se multiplicando através das redes sociais.
As pessoas que se associaram a Eduard no projeto, como Minerva Sellés explicam que se gerou um sentimento de orgulho de “ter e pertencer” ao território e à comunidade. Permitindo a descoberta e a revalorização da fauna selvagem, livre. “Para proteger e preservar a fauna local, é preciso primeiro atingir as pessoas que influenciam diretamente na sua conservação. Assim, temos conseguido unificar comunidade, biodiversidade e patrimônio”, ensina.
Os observatórios de pássaros tem sido o ponto de encontro para Minerva desenvolver outro projeto de experiência eco-turística em Vallbona de les Monges: els Sentits (os sentidos) com uma casa rural onde os viajantes podem se hospedar e assim espaiar a sua estadia na região, sem ter que voltar apressadamente à cidade.
PARA SABER MAIS:
La caseta de l’òliba (lacasetadeloliba.blogspot.com)
Els Sentits. Vallbona de les Monges.: 2019 (elsentitsdevallbona.blogspot.com)