Lula, mito e réu
Por Cesar Vanucci *
“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.”
(Provérbio português)
Vejo Lula com culpa no cartório. Mas, espera lá, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, como prudentemente aconselha a antiga sabedoria. Incandescente controvérsia, impregnada de passionalismo, circunda a história do mito tornado réu. Ou seja, do Lula endeusado por muitos e demonizado por outros.
Reconhecer que ele haja cometido atos falhos, suscetíveis de condenação, não significa admitir que a relevante obra de inclusão social levada a cabo em seu governo mereça ser encoberta pelas brumas do esquecimento. Sua trajetória na vida pública projeta incontáveis atos meritórios. São de bom tamanho as realizações voltadas para a causa da ascensão social, mesmo que na avaliação do trabalho empreendido feita por adeptos incorra-se, por vezes, em exageros. Noutra vertente da análise comunitária alusiva a Lula aparecem elementos influentes a, visivelmente, focarem seus defeitos com lentes de aumento.
Volto à sabedoria dos antigos para lembrar que costuma colher tempestade quem semeia vento. Pode-se aplicar o conceito, de certa maneira, a Lula. Ele não conseguiu desvencilhar-se – omitindo-se, numa benevolente avaliação – das teias maquiavélicas de um sistema implementado, não é de hoje, por vilões engravatados. Gente da pesada. Recrutada nas fileiras de empreiteiros inescrupulosos, agentes públicos inidôneos e mafiosos políticos. Dono de forte carisma, aguçada sensibilidade social, o ex-presidente, não cabe dúvida, soube conquistar a simpatia de extensas camadas da população. Isso explica a apreciável base de sustentação política ostentada nessa hora da penosa adversidade que enfrenta à conta dos erros cometidos. Padece, sob outro ângulo, de tenaz rejeição, que adquire em muitos momentos timbre rancoroso, da parte de ponderáveis segmentos. É aí identificado como personagem central das engrenagens de corrupção, vastamente disseminadas, que o sentimento nacional obviamente abomina.
As narrativas, de lado a lado, acerca do alentado currículo do personagem pecam, não raras vezes, pela exorbitância. Seja no capítulo das louvações, seja no item das críticas. Para adversários, ele desponta no cenário como vilão-mor. Para os admiradores trata-se de um grande ídolo. Ídolo ele também se sente. A tal ponto que, em arroubos retóricos, andou ousando mesmo dizer coisas desse gênero: “Desafio alguém apontar algum brasileiro mais honesto do que eu!”
Análise serena e objetiva dos acontecimentos que ora galvanizam o interesse das ruas – deixadas à parte as reações extremadas -, permite sejam levantadas a propósito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do atual contexto político brasileiro, entre outras, algumas constatações dignas de especial atenção:
1. Lula errou, está sendo legalmente punido;
2. São numerosos os militantes políticos, de diferentes siglas, vários deles no campo adversário, comprovadamente envolvidos nas investigações em curso, sob suspeição de haverem praticado irregularidades até mais graves do que as imputadas a ele, aguardando ainda na fila competentes ações jurídico-legais mais expeditas;
3. A tramitação dos processos referentes a Lula vem se desenrolando em ritmo consideravelmente mais célere do que o observado noutros casos de políticos graduados implicados em operações fraudulentas;
4. É indisfarçável, na percepção dos que se dão a tarefa de acompanhar as apurações das tramoias detectadas pela operação Lava Jato e a divulgação dos lances correspondentes, a tendência de alguns grupos, órgãos da grande mídia incluídos, de dispensarem “tratamento diferenciado”, “prioritário”, às situações e circunstâncias onde o nome de Lula aparece, comparativamente às situações em que os denunciados são integrantes de outras legendas partidárias;
5. Afigura-se mais que provável, a serem levadas em conta as sucessivas pesquisas eleitorais, que o ex-presidente irá exercer, a esta altura já não mais como candidato, influência marcante no processo das próximas escolhas eleitorais;
6. A opinião pública mostra-se sumamente desejosa de que as apurações em andamento, no saudável combate à corrupção, cheguem logo a termo, com o devido equacionamento das dúvidas que sobrepairam sobre a interpretação das leis e a culpabilidade de todas as pessoas cujos nomes frequentam continuamente as manchetes.
7. É bom que se diga, por derradeiro, que as mentes mais lúcidas da sociedade brasileira veem com inocultável desagrado os “vazamentos seletivos” volta e meia vindos a furo, com as costumeiras desculpas dos poderes competentes de nada saberem sobre a origem desses atos ilegais.
* O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora. Artigo datado de 12/04/2018