Brasileiras em luta na Catalunha, com um sotaque pernambucano
Por Flávio Carvalho
Numa sala nobre do Governo da Catalunha, falava o presidente (Carles Puigdemont) para jornalistas de todo o mundo, atentos para tudo o que estava passando em Barcelona. Bem no meio da sala, uma sertaneja de Petrolina. Sua experiência de haver trabalhado no Jornal do Commercio de Pernambuco e agora mais do que nunca “falando para o mundo”, lhe outorga o saber publicar em linguagem fácil para os brasileiros, em tempo real. Comunica o que a direita espanhola está cometendo contra os direitos fundamentais dos catalães. A conheci pelo livro que escreveu sobre o barzinho brasileiro mais importante de Barcelona, o “Cantinho Brasileiro”, reduto de muitas reuniões de brasileiros migrantes em luta pelos seus direitos.
Do outro lado da Praça, uma sergipana, advogada, ativista dos direitos humanos se divide entre as várias frentes de luta social onde participa: autodeterminação, direitos dos migrantes, democracia (pro Brasil, pra Espanha…). Incansável. Em Belo Horizonte, a quilômetros de distância, outra jornalista, neta de catalães que passaram boa parte da sua vida lutando contra o franquismo, se desdobra em argumentar, informar, comunicar. Explica, na pele, tudo que viveu nos anos que morou em Barcelona (é uma das principais autoras sobre gênero e migração brasileira) e não deixou que os milhares de quilômetros de distância de Barcelona lhe desanimassem.
Outra brasileira, do Norte do Brasil escreveu um livro prefaciado por uma das mais importantes catalãs independentistas, recentemente falecida. Enquanto isso engendra o seu mais novo projeto de comunicação audiovisual. Carioca, uma capoeirista abre a roda no meio da manifestação em defesa dos presos políticos dessa semana nos calabouços da polícia política espanhola. Na sua camisa, um foratemer bem vistoso.
Seis em cada dez brasileiras na Espanha, elas são. Uma dança, a outra fotografa e uma terceira me diz que não é independentista convicta, mas que quando o assunto é o ataque a liberdade de expressão ela somente lembra o seu pai, preso e torturado quando lhe diziam que a ditadura no Brasil não se instalaria, que o golpe era passageiro e que a solidariedade internacional não deixaria que os fascistas passariam a mandar no país. Era 1964.
A última colega, também brasileira, com quem ontem tomei um café enquanto passava uma passeata de estudantes pelo centro de Barcelona, vestia – em minha homenagem, ela disse – uma camisa do bloco carnavalesco olindense Eu Acho é Pouco. Sua mãe lhe contou que pensava que o bloco havia sido criado, com as cores da bandeira da Catalunha, logo depois da morte de Franco, nos anos setenta, por um grupo de comunistas foliões, em homenagem à morte do ditador espanhol. Eu disse que não sabia se era bem verdade e me lembrei do carnaval do Recife.
Minha lembrança deu um pulo e foi parar no Galo da Madrugada. Eu adorava imaginar que havia contribuído pro Livro Guiness dos Recordes cosiderar aquele bloco carnavalesco como “o maior do mundo”, por arrastar mais de um milhão de foliões – e eu lá no meio, desde pequeno. Em seguida, em uma mesa de debate com um grupo de jornalistas internacionais, a primeira pergunta que me fizeram foi como eu me sentia, no meio de mais de um milhão de pessoas gritando por liberdade e democracia em pleno coração de Barcelona. Lembrei-me de Taísa, a jornalista pernambucana do começo desse texto, chorando no programa de Geraldo Freire, o comunicador da maioria, e também chorei.
*O sociólogo Flávio Carvalho (@1flaviocarvalho / @quixotemacunaima) mora há 12 anos em Barcelona