Chamava-se Aylan, tinha 3 anos, e abriu os olhos do mundo
Depois que o mundo se estarreceu com a imagem da menino sírio que morreu afogado no mar após o naufrágio do barco no qual fugia com a família da Turquia para a ilha de Kos, na Grécia, o drama dos refugiados da Europa parece ter ganho, enfim, os olhares e atenção do mundo.
A história do pequeno Aylan, de 3 anos, cujo irmão Galip, de 5, e a mãe Rehana, de 35, também morreram na perigosa travessia no mar, simboliza uma realidade que vem se repetindo desde 2013. De uma gente, que fugindo da guerra e da pobreza, vem tentando chegar à Europa, tendo no seu caminho muitos obstáculos.
Recentemente, em Lampedusa, na Itália, o Papa Francisco fez um apelo ao “despertar das consciências” para combater a “globalização da indiferença”, numa referência aos refugiados. O mundo comoveu-se, mas seguiu em frente. Até ontem, espera-se.
Isso foi expressado por editoriais dos mais diversos meios de comunicação, em todo o mundo, nesta quinta-feira, 3 de setembro. O menino que morreu afogado tornou-se símbolo de muitas mortes invisíveis e anônimas, de um fluxo de pessoas desesperadas por chegar à segurança de um país em paz.
Desta tragédia, sobreviveu apenas o pai, Abdullah Kurdi, que pagou 4 mil euros pela viagem num barco de borracha de cinco metros onde iam pelo menos 12 pessoas, segundo a jornalista da emissora Al-Aaan, de Dubai, Jenan Moussa.
Sabe-se que uma hora depois de sair do ponto da costa turca mais perto de Kos, a viagem começou a tornar-se problemática. O turco que levava o barco desapareceu rapidamente. Outra hora passou e o barco acabou por afundar.
Abdullah teria tentado agarrar-se ao barco, e ao mesmo tempo segurar a mulher e dois filhos, mas um após outro, todos foram levados pelas ondas. A única coisa de que o pai fala agora é levar a família de regresso à Síria para a poder enterrar em Kobane, de onde desesperadamente fugiu.
A família saiu de Damasco em 2012 e depois mudou-se para Kobane, tendo fugido daí para a Turquia quando a cidade foi tomada pelos jihadistas do grupo Estado Islâmico.
Uma irmã de Abdullah vive em Vancouver há mais de 20 anos e contou a um jornalista do diário canadense National Post que soube do sucedido por um telefonema de uma cunhada. Abdullah tinha ligado com a terrível notícia.
Teema contou ainda ao jornalista que tentava que a família conseguisse asilo no Canadá através de um procedimento chamado G5, em que cinco cidadãos canadenses podem apoiar uma candidatura desde que deem aos refugiados apoio emocional e financeiro. Ela conseguiu que amigos e vizinhos se juntassem para isto.
Mas para que o pedido seja aceito, os candidatos têm de ser formalmente considerados refugiados pela ONU ou por um outro estado. O problema da família é que na Turquia não conseguiram documentos para sair nem registo como refugiados – o que não é raro acontecer com curdos na Turquia.
Em junho, o pedido da família foi recusado pelas autoridades do Canadá, devido às complexidades do processo na Turquia, segundo o National Post, ou porque as autoridades consideram que os refugiados que estão neste país estão em segurança, segundo a Al-Aan.
Foi depois disso que consideraram outras alternativas para sair da Turquia, e segundo a Al-Aan esta não foi a primeira tentativa. Ficar lá não era uma opção. “Os curdos sírios são muito mal tratados”, explicou ao National Post a irmã Teema, que ainda não tinha desistido de voltar a tentar outra candidatura de asilo para a o irmão e a sua família.
“Esta é uma notícia horrível”, comentou um deputado do círculo local, Fin Donnelly, que acompanhou o processo de pedido de asilo. “A frustração de esperar e a resposta foram terríveis.”
Agora Abdullah Kurdi já não quer ir para o Canadá. Aos jornalistas que o ouviram à porta da necrotério da cidade de Mugla, perto de Bodrum, onde ocorreu o naufrágio, disse, em lágrimas, querer voltar para Kobane para enterrar a família. “Só isso poderá aliviar a minha dor”.
“Os meus filhos eram as crianças mais bonitas do mundo. Há alguém no mundo que não considere os seus filhos a coisa mais preciosa da vida?”, disse Abdullah. “Eu perdi tudo”.