As estapafúrdias ideias do secretário defenestrado
Por Cesar Vancci *
“É preciso espantar-se de tudo e não ter medo de nada!”
(Sandor Torok)
Mas, o que vem a ser isso mesmo, Santo Deus? Qual é mesmo a desse cara mandado embora da Secretaria Especial de Cultura? Onde já se viu!
A grotesca cena, pedantemente solene, ao vivo e em cores, de características psicodélicas, da “incorporação” de Joseph Goebbels, tendo ao fundo trilha sonora que relembra a tétrica marcha de inocentes rumo às câmaras de gás, deixou rastro de estupefação e indignação na alma popular. Para que se tornasse réplica próxima da imagem que se cogitou nostalgicamente recompor só ficou faltando o braço direito rigidamente estendido acompanhado de sonoro e caprichado brado de “Heil!”…
Que o cidadão defenestrado não reunia qualificações para a função, o mundo cultural inteiro estava calvo de saber. E isso independentemente dos posicionamentos divergentes que pontuam a atuação das diversificadas correntes que militam na área. À parte as turras, ocasionais ou constantes, de feição ideológica ou não, que costumam acontecer, todos unanimemente consideravam temerária a escolha feita. No peculiar linguajar das ruas, habitualmente enfático e gracejante, dizia-se que a inoportunidade da nomeação era coisa sabida até dos mundos vegetal e mineral…
Não era esta, entretanto, pelo jeito, a percepção que, nos escalões superiores, se tinha dos “predicados” do estranho personagem. Tanto que, pouquíssimo antes da drástica decisão em afastar o colaborador, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, não vacilou, instante sequer, em proferir, eufórico, as palavras abaixo reproduzidas: “Ao meu lado, o Roberto Alvim, o nosso secretário da Cultura. Depois de décadas, agora temos um secretário de Cultura de verdade. Que atende o interesse da população brasileira. População conservadora e cristã. Muito obrigado por ter aceito essa missão. Você sabia que não ia ser fácil, né?”
Manifestação em termos tão peremptórios levou o chefe do Governo, tomado de surpresa diante da dicção aloprada do subordinado, até a relutar, por curto espaço de tempo, quanto à conveniência da exoneração. Não houve, contudo, como resistir às pressões. As reações de inconformismo pipocaram de todas as partes, inclusive de personalidades destacadas das hostes palacianas. O estapafúrdio procedimento do “quase secretário de verdade” alcançou repercussão estrondosamente negativa. Dentro e fora do país.
Os chefes dos demais Poderes da República expressaram-se com veemência, a propósito do vídeo postado por Alvim para anunciar o “Prêmio Nacional das Artes”. David Alcolumbre, presidente do Senado, de descendência judia: “É totalmente inadmissível, nos tempos atuais, termos representantes com esse tipo de pensamento”. Deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados: “O Secretário da Cultura ultrapassou todos os limites. É inaceitável”. Ministro, Dias Tofolli, presidente do Supremo Tribunal Federal: “É uma ofensa ao povo brasileiro, em especial à comunidade judaica.”
A Confederação Israelita do Brasil não deixou por menos: “Emular a visão do ministro da propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador” (…). Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o holocausto, no extermínio de seis milhões de judeus na Europa, entre tantas outras vítimas.” O vigoroso repúdio à conduta do ex-secretário foi complementado em nota divulgada pela Presidência: “Comunico o desligamento de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura do Governo. Um pronunciamento infeliz, ainda que tenha se desculpado, tornou insustentável a sua permanência. (…) “Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas.”
Ilusório supor seja o personagem em foco uma voz solitária no surreal contexto. Para chegar aonde chegou ele contou com o apoio de uma bem articulada falange fundamentalista que dispõe, inequivocamente, de acesso a engrenagens do poder político, acolhendo elementos que comungam das mesmas ideias anárquicas. Essa gente não pode ser subestimada. Se chance houver, outras aprontações, com certeira certeza, ocorrerão.
Aos democratas de todas as inclinações partidárias, que se sentem molestados diante de atos extremados, como o caso agora citado, praticados por adeptos das lateralidades ideológicas incendiárias, recomenda-se que fiquem de olho neles. É bom, ainda, não perder de vista conceitos e recomendações incisivos, prudentes, categóricos como os anotados na sequência. Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde: “A salvação do homem não vem do leste nem do oeste (nem da direita, nem da esquerda). Vem do Alto!” Sandor Torok, pensador austríaco: “É preciso espantar-se de tudo e não ter medo de nada”.
* O jornalista Cesar Vanucci, presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (cantonius1@yahoo.com.br), é colaborador do Blog Mundo Afora.