200 mil em Perpinyà: convicção na vitória dá força à luta de catalães independentistas

Os eurodeputados Carles Puigdemont, Clara Ponsatí e Toni Comín tomaram banho de multidão em Perpinyà, onde manifestantes mostraram disposição a seguir lutando pela independência da Catalunha

Organizadores estimam que 200 mil pessoas participaram do ato em Perpinyà, dos quais a maioria era proveniente da Catalunha Sul

A foto que ilustra a abertura deste texto foi feita pelo fotógrafo catalão Jordi Borràs, no último sábado, 29 de fevereiro, em Perpinyà, na Catalunha Norte, França. É o registro do momento em que o ex-presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, agora deputado no Parlamento Europeu, saúda as mais de 200 mil pessoas que foram à cidade recebê-lo após dois anos e três meses de exílio, junto com eurodeputados Clara Ponsatí e Toní Comín, seus ex-auxiliares no governo catalão.

O evento em Perpinyà foi organizado pelo Conselho pela República Catalã, presidido por Puigdemont do exílio em Bruxelas. O objetivo: receber aos três políticos em terras catalãs (não espanholas) pela primeira vez depois que tiveram que sair da Catalunha, em outubro de 2017, para celebrar a imunidade parlamentar conquistada recentemente. Naquele ano o estado espanhol havia ordenado intevenção na Catalunha, destituindo o governo e o parlamento. Isso por conta da organização do referendo de autodeterminação e da frustrada proclamação da república.

Com receio da violência contra os cidadãos que defendiam o governo, Puigdemont e alguns dos seus auxiliares optaran em lutar pela causa no exílio. Os que ficaram estão presos e foram condenados a penas entre 7 a 13 anos de prisão, após um processo controvertido no Tribunal Supremo da Espanha, que os penalizou por sedição e malversação de fundos públicos.

A explicação se faz necessária para entender o significado do ato em Perpinyà. Dos 200 mil participantes, segundo os organizadores, grande parte veio da Catalunha, em território espanhol. Isso porque Puigdemont, Ponsatí e Comín sabem que se atravessam a fronteira para fazer um ato deste na sua terra poderiam ser presos, apesar de terem imunidade parlamentar. Têm consciência que mesmo sendo um dos estados membros da União Europeia, Espanha não respeitaria o direito facultado a todos os europarlamentares.

Toda essa multidão retratada na foto de Borràs, também destacada nas capas dos principais meios de comunicação internacionais, se deslocou ao outro lado da fronteira de diversas formas. Em carros particulares, trailers, ônibus fretados e de trem. Alguns já dormiram na Catalunha Norte da sexta para o sábado, abarrotando os hotéis de Perpinyà e também das cidades vizinhas.

Quem foi de ônibus fretado, como eu, enfrentou uma maratona na rodovia que leva à fronteira. Isso porque foi superada a expectativa de ônibus ao destino. Os organizadores do evento esperavam uns 600, mas foram muito mais. Resolvi ir em caravana para poder contar esta experiência em primeira pessoa. Os catalães independentistas parecem nunca se render e realmente fazem coisas extraordinárias pela causa na qual acreditam.

A maioria dos ônibus fretados saiu de diversas cidades catalãs por volta das 7h e 8h da manhã do sábado. Em trajeto normal, a viagem a Perpinyà seria de 2 horas meia. Contudo, o deslocamento levou como mínimo de 4 a 5 horas. As filas na estrada eram de perder de vista. De três quilômetros, como mínimo, segundo alguns meios de comunicação.

Grande parte do trajeto foi em marcha lenta, principalmente na fronteira onde a polícia espanhola montou um esquema que obstaculizou a passagem e provocou ainda mais engarrafamentos. Isso fez com que mais de cem ônibus voltassem para traz, impedindo muita gente de participar do ato que estava previsto para iniciar ao meio-dia.

Por conta do colapso do trênsito em Perpinyà e ao longo da rodovia que dá acesso à cidade, os organizadores resolveram começar o ato às 13:00, para dar tempo de quem estava retido na estrada chegar. Os motoristas foram orientados a dar uma volta de 10 quilômetros na cidade para conseguir chegar ao acesso do Parque das Exposições, onde se realizou o ato, que estava colapsado.

Quem estava nos ônibus já foi preparado para enfrentar a maratona. No que eu estava, as pessoas levaram café, água e diversos petiscos para o café da manhã, que compartilhavam com todos os companheiros de viagemo. A maioria levava a famosa “estelada”, a bandeira independentista, e alguma peça de roupa amarela, a cor dos laços em solidariedade aos presos e exilados políticos.

A viagem foi em marcha lenta desde um pouco antes da fronteira com a França até a chegada ao Parque das Exposições, onde o estacionamento já estava com a capacidade para 600 ônibus esgotada. A polícia francesa teve que fechar o tráfego na rodovia de acesso ao local para que os demais ônibus pudessem estacionar. A fila de ônibus estacionado era imensa. Para chegar ao nosso ônibus, na volta, tive que caminhar 4,7 quilômetros para chegar aonde estava o veículo. E havia mais veículos atrás do nosso.

Apesar de tudo, nosso grupo conseguiu chegar a tempo. O ato já havia começado e a primeira parte tivemos que acompanhar através dos telefones celulares no link disponibilizado através das redes sociais pelo Conselho da República e nas transmissões das emissoras de rádio e TV de Perpinyà.

Uma parte das falas foi feita em vídeos ou áudios enviados por outros exilados que não contam com imunidade e pelos presos, entre eles Josep Rull, Jordi Turull, Joaquim Forn, Marta Rovira e Oriol Junqueras. Houve apresentações musicais com o emblemático Lluís Llac e antes de começar o ato a formação dos tradicionais castelos humanos (Castellers).

A primeira dos eurodeputados a falar foi Clara Ponsatí, que foi secretária de Educação do governo Puigdemont e enfrentou a violência policial no 1º de outubro de 2017, sendo inclusive agredida e jogada no chão por agentes da Polícia Nacional espanhola ao tentar proteger o colégio eleitoral onde estava. Ponsatí, atualmente exilada na Escócia, tomou posse na Eurocâmara recentemente, na vaga aberta pela saída dos deputados britânicos aberta com o Brexit.

Ponsatí colocou em dúvida mesa de diálogo do governo espanyol com catalães

Seu discurso foi cortante e enfático, leventando críticas à mesa de diálogo entre o governo espanhol montada a pedido de Esquerda Republicana de Catalunha (ERC). O partido tem sido criticado nas hostes independentistas por permitir a investidura do primeiro-ministro Pedro Sánchez (PSOE) em troca de um acordo que muitos vêm infrutífero. Muitos reclamam que ERC está voltando ao autonomismo e abandonou a aspiração independentista facilitando um governo que afirma cada dia ser contra o direito à autodeterminação.

Ponsatí classificou a mesa de diálogo como uma “enganação”. “Não nos fazem livres as renúncies, nem os medos, nem as promessas vazias de diálogo dos mesmos que nunca cumprem promesa alguma, Recordem o primero de outubro, recordem como resistimos diante dos golpes de cassetete. Resistimos apesar de ter contra toda a força de um estado malferida. Não nos deixemos enganar por fotografias de mesas e diálogos de enganação que somente fazem Pedro Sánchez ganhar tempo”, remarco.

Toni Comín, ex-secretário de Saúde de Puigdemont, e também eurodeputado foi o seguinte a discursar. Assim como Puigdemont, Comín só conseguiu tomar posse no Parlamento Europeu seis meses depois da constituição da câmara com a decisão do Tribunal de Luxemburgo em favor da imunidade parlamentar. Antes, a Junta Eleitoral Espanhola alegava que eles não eram eurodeputados porque não juraram a constituição em Madri, protocolo considerado irrelevante pela corte europeia que considerou que um político se torna parlamentar no momento que é eleito e tem esse resultado oficializado.

Toni Comín incentivou independentistas a se manterem na resistência

Comín também incentivou os catalães a se manterem na resistência. “Por desgraça, não ganharemos o direito às urnas nem sendo muitos mais. Será necessário mais ações, compromissos e sacrifícios. E tudo isso tem que ser feito bem, temos que nos preparar. Se queremos ser livres de verdade temos que assumir o preço a nosa liberdade”, disse numa crítica a estratègia de ERC, seu antigo partido, que defende que para alcançar a independência se há te ter muito mais que 50% da população a favor.

A quantidade de gente no Parque de Exposições em Perpinyà era tão grande, que de vários pontos ficava difícil ver o palco onde houve o ato, o que foi facilitado pelos telões instalados na área. Uma foto área publicada pelo perfil @hydra_66, no Twitter, mostra a dimensão da multidão. Que foi aom delírio quando Puigdemont entrou no palco.

O ex-presidente catalão conclamou os independentistas a se prepararem para o ato final do processo iniciado com a proclamação da república em 2017. Antes, agradeceu à Perpinyà pela recepção, onde teve honras pelo prefeito da cidade e pelo conselho distrital, assim como aos presentes ao ato e aqueles que tiveram que voltar para casa nos ônibus que não conseguiram chegar à cidade.

Carles Puigdemont convocou independentistas para luta definitiva

“Nos preparemos forte porque temos muito trabalho pela frente. Temos que nos coordinar melhor e nos organizarmos no território. Temos de nos preparar combatendo a repressão do estado, rejeitando o regime monárquico herdeiro do franquismo”, enfatizou Puigdemont. O ex-presidente lembrou que os catalães prepararam e ganharam um referendo. “Agora devemos preparar com a mesma firmeza a luta definitiva. Fazendo rede. Preparando-nos para enfrentar o abuso e a injustiça”, acresceu sob aplausos. “Na República catalã não sobra absolutamente ninguém, todos eos caminhos que nos levem à República, sejam os nossos ou alheios, são caminhos que nos convém, e cabem todos, seme exceções”, falou aclamado pela multidão, que gritava “presidente, presidente”.

Entre os presentes havia muitos idosos, crianças e gente com seus animais de companhia. Todos atentos ao discurso do ex-presidente, que figura hoje como inimigo número um do estado espanhol. Não apenas por ter sido a figura de maior proeminência no processo independentista de 2017, mas por vir obtendo diversas vitória jurídicas contra a Espanha no terreno dos tribunais europeus. O que reforça a ideia para muitos de que a decisão do exílio foi a mais acertada.

Os eurodeputados Toni Comín, Clara Ponsatí e Carles Puigdemont celebrando com a multidão ao final do ato em Perpinyà

 

Depois do ato, antes de voltar para casa, muitos dos participantes foram celebrar na área central de Perpinyà, cidade onde vivem 120 mil pessoas. Não precisa nem dizer como  as ruas ficaram lotadas. A volta para casa também foi como uma maratona. Muita gente teve que caminhar mais de 5 quilômetros para encontrar seu ônibus na longa fila na rodovia que serviu de estacionamento. Contudo, na volta só se viam sorrisos e satisafação entre os manifestantes por comprovarem que os independentistas estão mais aguerridos do que nunca apesar da repressão sofrida nos últimos anos.

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