Fuga do rei emérito Juan Carlos I coloca monarquia espanhola contra parede

Instalado em complexo turístico de luxo na República Domincana, Juan Carlos I tenta driblar justiça suíça, que investiga patrimônio ocultado em paraísos fiscais

A monarquia espanhola, cuja reputação é questionada há tempo, desceu mais um escalão. A decisão do rei emérito Juan Carlos I de deixar o país, anunciada em carta ao filho Felipe VI em meio às investigações sobre patrimônio oculto em paraísos fiscais, provocou duras críticas e muita indignação. Não apenas por uma das figuras mais poderosas do país estar driblando a justiça da Suíça, onde os casos estão em andamento, mas pelo fato de ter saído tranquilamente para sua nova casa com a conivência do governo do primeiro-ministro Pedro Sánchez, além dos poderes judiciário e legislativo.  

Já instalado em um luxuoso complexo turístico na República Dominicana, onde não há convênio de extradição com a Suíça, Juan Carlos I teria aceitado deixar o país para que o filho Felipe VI, atual rei da Espanha, possa governar sem a sombra dos escândalos que o envolvem. Com o avanço das investigações, a imprensa europeia começou a tornar público os “negócios” e “arranjos finaceiros” do ex-monarca, que sempre levantou polêmica pelo extravagante estilo de vida e as diversas amantes que colecionou sob o silêncio constrangedor da rainha Sofia.    

A cada nova revelação nos últimos meses, vinha aumentando o clamor dentro da Espanha pela abolição da monarquia. Diante do agravamento das denúncias e da possibilidade de ser punido pelo judiciário da Suíça, o governo do socialista Pedro Sánchez esteve trabalhando por uma saída “honrosa” para o ex-monarca e a separação de sua imagem da do rei Felipe VI. Ação duramente criticada por alguns dos partidos sócios do governo.

Contudo, a estratégia não vem dando o resultado esperado, uma vez que diversas vozes críticas se levantaram contra a Casa Real e o modo como o emérito recebeu ajuda para tomar o caminho do “exílio”. A maioria dos meios de comunicação europeus qualificou a fuga de como “humilhante” e “vergonhosa”, suplantando a condecendência do tratamento da notícia pela imprensa de Madri, que loou o rei e sua “valorosa contribuição para Espanha” nos seus quase 40 anos de reinado.  

Desta forma, os poderes executivo, legislativo e judiciário do país se tornaram cúmplices de uma operação de fuga de uma figura pública que deveria dar exemplo aos seus súditos e prestar contas à justiça. Evidenciando que atuam com dois pesos e duas medidas, como apontaram muitos dos críticos da monarquia restabelecida em 1978 pelas mãos do ditador Franco, como frisa a deputada brasileira Maria Dantas (ERC), em sua conta no Twitter.  

Um caso emblemático que tem sido usado como conparativo do trato diferenciado da justiça é o do rapper Josep Valtonyc, condenado à prisão pela letra de uma das músicas que acusa o rei Bourbon de “ladrão”. O músico, exilado na Bélgica há mais de 800 dias, está travando uma batalha judicial em Bruxelas para evitar a extradição solicitada através de euro-ordem pela justiça espanhola.

O tratamento dado aos presos e exilados independentistas catalães também foi usado pelos críticos para apontar a desproporcionalidade de trato judicial no país. Nove líderes soberanistas estão cumprindo penas que somam mais de cem anos pela organização do referendo de autodeterminação de 2017. Outros estão exilados na Bélgica, Suíça e Escócia, onde recorreram à justiça europeia contra os atos do poder judicial espanhol.

O ex-presidente da Assembleia Nacional Catalã (ANC), Jordi Sànchez, condenado por convocar uma manifestação independentista em 2017, questionou a justiça espanhola, também pelo Twitter. “Onde está a Justiça da Espanha?”, questiona ao perguntar porque a Audiência Nacional não retirou o passaporte de Juan Carlos I. “A mim por convocar uma manifestação a juíza Lamela me trancou na prisão onde ainda estou pelo risco de fuga depois de apresentar-me voluntariamente a declarar”, ressaltou.

JUSTIÇA ESPANHOLA – A partida de Juan Carlos I ocorreu no domingo passado, antes que a justiça espanhola tenha aberto qualquer acusa contra o emérito, fato pelo qual não havia como impedí-lo de sair do país. O Ministério Público havia anunciado que abriria uma investigação em função das denúncias de corrupção na Suíça, mas tampouco se moveu. De parte da sociedade civil, a associação Òmnium Cultural apresentou uma denúncia o Tribunal Supremo e iniciou uma campanha pressionando para que o rei emérito respondesse às denúncias na justiça, sem resposta alguma até agora.

Questionado durante a última coletiva de imprensa antes das férias de verão, realizada hoje (04), o primeiro-ministro Pedro Sánchez disse que seu governo manifesta “absoluto respeito sobre as decisões tomadas pela Casa Real. E que vê na decisão tomada se vê uma “vontade de distanciar-se de condutas seguramente questionáveis de um membro da Casa Real”.

O posicionamento de Sánchez difere de Unidas Podemos, partido sócio do governo. O vice-presidente do governo e líder da sigla, Pablo Iglesias, criticou que um governo “justifique o saúde comportamento que erosionam a dignidade de uma instituição chave como a do chefe de Estado. A prefeita de Barcelona, Ada Colau, ligada a Podemos, chegou a pedir um referendo sobre a monarquia e que se abra passo a uma “república solidária e plurinacional”.

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