“Pescadores de homens”. A família que resgata imigrantes no Mediterrâneo
O título da reportagem publicada pela versão online do jornal espanhol El Mundo (leia aqui), esta semana, é mais que apropriado para referir-se à família Catrambone. A italiana Regina, 39, sua filha Maria Luisa, 19, e o marido, o norte-americano Christopher, 34, se dedicam ao resgate de imigrantes que tentam cruzar o mar Mediterrâneo em busca de um novo horizonte na Europa. São donos do único barco privado que faz este tipo de resgate no mundo.
O trabalho – com recursos próprios e de forma independente – é realizado através da ONG Moas (Estação de Ajuda ao Imigrante por Mar), fundada pelo casal, com sede na cidade de Slienma, na República de Malta, arquipélago no sul europeu. Só este ano mais de 2 mil pessoas perderam a vida tentando a perigosa travessia em frágeis embarcações, fugindo geralmente de conflitos armados e da fome em seus países.
Em dois anos, o barco comprado pela família por 5 milhões de euros conseguiu resgatar 8.910 imigrantes. A história destes milionários, que se dedicam a salvar a vida de homens, mulheres, idosos e crianças no mar, começou depois do verão de 2013.
Naquele ano, quando viajavam de férias num cruzeiro de luxo que ia de Lampedusa, ilha italiana do arquipélago das Ilhas Pelágias no Mar Mediterrâneo, a Tunes, destino turístico no norte da África, uma imagem no mar impactou o casal. Da varanda da embarcação, viram flutuando no mar a jaqueta de uma pessoa que se afogou tentando chegar à Itália.
“Essa imagem nos impactou muitíssimo. Estávamos indo para Rabbit Beach, uma das praias mais exclusivas do mundo, em Lampedusa. Contudo, não pudemos mais mergulhar pensando na quantidade de gente que estava morrendo naquelas águas. O capitão nos disse que 400 imigrantes haviam se afogado e nos angustiamos”, conta Regina em entrevista a El Mundo.
Ela conta que poucos dias depois daquela experiência, escutou um discurso do Papa Francisco sobre a “globalização da indiferença”, na qual pedia aos empresários que ajudassem os imigrantes. Naquela ocasião, conta, ela e o marido decidiram fazer alguma coisa a respeito. “Milhares de pessoas estão morrendo diariamente nas portas de nossas casas. Temos a obrigação ética e moral de ajudá-los”, enfatiza.
Foi então que decidiram comprar o barco, um modelo de 40 metros que havia servido para treinamento militar nos Estados Unidos, por 5 milhões de euros e criaram a ONG Moas. Reformaram o navio, que foi equipado com botes, coletes salva-vidas, tecnologia sofisticada e dois drones que podem voar seis horas a uma velocidade de 240 km.
O barco salva-imigrantes tem capacidade para 417 pessoas e foi batizado com o nome de Phoenix 1. Não foi inaugurado com espumante, mas sim com água benta em uma cerimônia religiosa.
Christopher, de Lake Charles, em Luisiana, nos Estados Unidos, fundou junto com Regina, em 2006, a companhia Tangiers Group, com sede em Malta, que se estende por 52 países vendendo seguros e assistência médica em zonas de conflito. Negócio que rendeu a fortuna que têm hoje. Os dois se conheceram na região da Calábria, na Itália, para onde havia viajado em busca de conhecer as origens de seu sobrenome.
Maria Luisa, filha de Regina, resolveu tirar um ano sabático da universidade para dedicar-se ao trabalho de resgate de imigrantes. “Sou afortunada por fazer parte de algo tão importante. O que mais me custa é controlar minhas expressões quando estou ajudando os médicos a tratar de uma ferida grande. Não querem que as pessoas se assustem”, conta.
“Desde o ano passado Maria Luisa nos acompanha nos resgates. É de grande ajuda porque nas operações há muitos jovens e crianças, que se conectam bem com ela. E contam mais facilmente sua histórias a ela”, relata orgulhosa Regina, que fica na sede da ONG atenta aos avisos de naufrágio emitidos pelo Centro de Coordenação de Salvamento Marítimo de Roma.
“Mandamos os drones para visualizar as embarcações e quando são avistadas, damos início às operações de resgate”, explica Regina, que não mantém contato posterior com os resgatados. “Estamos focados em salvar as pessoas, a quem damos roupa, comida, e depois os encaminhamos às ONGs que fazem o trabalho de acompanhamento em terra”.
Ela recorda o primeiro resgate feito com o Phoenix, em agosto do ano passado, quando resgataram 271 imigrantes, contando com a ajuda de uma equipe formada por 23 pessoas. Em apenas dois meses, em 10 operações, os Catrambone e sua tripulação, conseguiram salvar quase 2 mil pessoas. Que foram trasladados a barcos italianos que os levaram até a Sicilia. Neste ano, saíram ao mar no dia 2 de maio. E até agora já realizaram quatro operações, junto com os Médicos Sem Fronteiras, ajudando a salvar 7 mil pessoas.
“O que mais me impressiona é a quantidade de crianças e bebês nestas embarcações, que sobrevivem por milagre a estas travessias, uma vez que enfrentam temperaturas de até 50 graus, o que provoca asfixia em muitos deles”, lamenta Regina.
Que estes anjos continuem no mar e inspirem a muitas outras pessoas!