Meus óculos, cadê eles?
*Por Cesar Vanucci
“Raramente você encontra um texto que informe e
distraia ao mesmo tempo. Martha Lear faz as duas coisas.”
(Mary Tyler Moore, crítica literária estadunidense)
Sala de espera na clínica de olhos. Um paciente movimenta-se de um lado pra outro, com visível preocupação, à cata dos óculos. Dá-se conta, de repente, explodindo em gargalhadas, que o “objeto perdido” estava pendurado no pescoço o tempo todo. O episódio cria ensancha para um bate-papo animado, com relatos bem-humorados de casos parecidos. Participante da conversa, comprometo-me a falar, neste acolhedor espaço, de um livro que trata justamente lapsos de memória envolvendo pessoas comuns em suas vivências cotidianas.
Você já se perguntou hoje, um tantinho ansioso, “Cadê meus óculos?” Já? Saiba, então, cá entre nós, que não foi o único a fazer essa pergunta. Milhões de criaturas, em tudo quanto é canto, tanto quanto você, perdem sempre, momentaneamente, a noção de onde deixaram os óculos durante a execução de alguma tarefa em casa ou na rua.
Isso aí. Todos nos defrontamos, no curso da lufa-lufa cotidiana, com esses inesperados lapsos de memória. Uns mais, outros menos. Martha Weinman Lear, jornalista estadunidense, especializada em comportamento, cultura e ética na medicina, com clareza e esfuziante bom humor, propõe-se no livro “Onde deixei meus óculos?” a explicar tintim por tintim muita coisa que apreciaríamos saber sobre a perda da memória e como minimizar e conviver com os problemas dela derivados.
A leitura deixa nitidamente precisa a distinção entre perda normal da memória – fenômeno natural que ocorre, até um determinado grau, a partir da meia idade – deficiência cognitiva branda e demência. Milhões de pessoas, em todo o mundo, repetimos, são vítimas de pequenos lapsos de memória. Esquecem nomes de conhecidos, o que provoca, amiúde, indesejáveis constrangimentos. Não se lembram nadica de nada do que estavam prontos pra dizer instantes atrás. Perdem a ideia do lugar em que deixaram, inda agorinha mesmo, os óculos, as chaves, a pasta com documentos.
Quem lida diuturnamente com a palavra vê-se às voltas, às vezes, de modo repentino e intempestivo, com a dificuldade de encontrar um termo adequado pra encaixar no texto em elaboração. Os registros da memória revelam-se, nessa hora, claudicantes. Toma tempo, gera fadiga mental, reencontrar a palavra procurada.
Situações assim, corriqueiras, costumam esquentar a cachola de não poucos viventes. Os mais tensos deixam escapulir uma preocupação: será que isso é prenuncio de “Alzheimer”?
Ancorada em penetrante trabalho de pesquisa, valendo-se de depoimentos valiosos de especialistas renomados, reportando-se a histórias reais bastante ilustrativas, a autora do livro aglutina um volume substancioso de informações que ajudam a passar certa tranquilidade às pessoas, sobretudo àquelas com propensão hipocondríaca que se crêem enfermiças mentais irrecuperáveis diante de ligeiros sinais de esquecimento, próprios da etapa etária vivida.
As dicas e truques ensinados como contribuição para que os interessados, exercitando a memória, suplantem os transtornos decorrentes desses indesejáveis momentos, são parte valiosa do trabalho.
“– Querido – ela pede -, quando você levar o cachorro para passear, poderia por esta carta no correio para mim?
– Claro.
– E apanhar meu vestido na lavanderia?
– OK.
– Sabe o que eu realmente queria? Um sundae de baunilha com castanha e cobertura de morango.
– OK. – Ele vai em direção à porta.
– Espera aí! Escreva senão você vai esquecer.
– Não vou esquecer. Sundae de baunilha com castanha e cobertura de morango. – Ele sai.
Logo ele retorna, carregando uma pequena sacola de papel. Lá dentro só tem uma baguete.
– Eu bem que disse! – ela reclama. – Você esqueceu o requeijão”.
“Onde deixei meus óculos” despeja nos leitores revelações interessantes sobre os recursos realmente eficazes para deixar a memória mais afiada, anotando os eventuais benefícios que podem ser proporcionados pelos exercícios físicos e hábitos saudáveis de alimentação. Conclama-nos a ser mentalmente ativos, fisicamente ativos, socialmente ativos, para desfrutar com alegria as prendas da vida.
Um livro, sem sombra de dúvida, encantador e instrutivo.
* O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora