O medo do amanhã nunca poderá impedir que o sol volte a sair

*Por Flávio Carvalho

O medo dá origem ao mal” – Chico Science

Morar fora do Brasil diminui a concorrência na hora da tietagem. Onde, em Olinda, eu iria conseguir sentar-me à mesa pra beber um vinho ou cerveja com pessoas que admiro como o Patrus Ananias, o Zé Eduardo Cardoso ou o Tarso Genro?
Esse último, bom gaúcho, concluiu um recente depoimento nas redes sociais que me deixou bastante preocupado, vindo de quem vem: “Já está naturalizado o fascismo no Brasil. Nada mais estarrece”.
Dizia Chico Mendes, citando Brecht: quando é abatido o que não lutou só, o inimigo não venceu.
Vendo aqui de fora, amigos catalães me perguntam se o Brasil já entregou todos os pontos. Eis que, de repente, o velho discurso de unidade nacional contra a calamidade pública nos surpreende: Bolsonaro está conseguindo unir as esquerdas e não tão esquerdas assim. Somos 70% e parecíamos nem nos dar conta disso.
Aqui em Barcelona, não. Faz dias que lançamos e assinamos nosso manifesto, sem vacilações. Quando parte da esquerda gritava um insuficiente “Basta de Bolsonaro”, nós já dizíamos: é FORA – e urgente – com todas as letras. Sem margem para hesitações. Sobram-nos motivos, como diz uma velha canção espanhola.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acabou de admitir, numa entrevista, algo importante. Não deveria passar despercebido: foi a primeira vez que a direita, encarnada no Presidente da Câmara (!) referiu-se à Bolsonaro como extrema-direita. E isso não é pouco. Aliás, nada é pouco, ultimamente, no Brasil.
A Ku-Klux-Klan resolveu reaparecer em Pindorama, exatamente quando os Estados Unidos pegam fogo. O fascismo que não queria ser chamado de fascismo vai assumindo-se como nazista. E o filho fake-news do Presidente falou algo que eu também penso (guardadas as devidas e opostas proporções): no Brasil, tudo agora não é questão de sim ou não. Virou “questão de tempo”.
Até quando, então?
Restam-nos três bons debates:
Quanto cobraremos pela taxa de arrependimento dos que votaram em Bolsonaro? Não deixem de acompanhar os atores que começaram como humoristas e estão dando total sentido à vida política do nosso pandêmico país: Gregório Duvivier e Pedro Cardoso, principalmente.
Quanto remédio calmante estarão dando a BolsoNAZI para conter o seu instinto terrorista de ultradireita? Aguentará até quando sem voltar a programar a verdadeira explosão de bombas, como já fez?
Mas o mais importante debate não é novo, na história do Brasil. Por isso, o deixei por último. Na história de todos os enfrentamentos às ditaduras brasileiras, a história nos tem sido traiçoeira. As grandes perguntas históricas são exatamente as cronológicas.
Quando acabou a ditadura militar brasileira? Todos sabem a data de nascimento. 31 de abril de 1964. Mas… E o seu fim?
Quando acabou a escravidão no Brasil? Todos sabem a data da Lei Áurea. Mas… Não acabou ali.
Quando o Brasil se tornou independente? Todos sabem sobre o Grito do Ipiranga. Mas…
Bolsonaro (re)inaugura a incógnita do começo, sobre as datas de inauguração: será que a ditadura encoberta já começou mesmo e nós não sentimos? Será mesmo anunciada no Jornal Nacional? Ou será que a herança ditatorial, escravocrata, colonial, nunca havia desaparecido do DNA político brasileiro?
Está lá, naquele excelente texto: quanto de Jair Messias ainda teremos que exorcizar de dentro de cada um de nós?
Não é um bom debate?
Pois não fique (somente) nele. Saia dele: agora mesmo! Reaja.
Enquanto você pensa, quantos morrem?
Enquanto você, aí do seu sofá, somente posta e reposta sua indignação nas redes sociais, saiba que não será suficiente para derrubar todo esse projeto de hegemonia social, apoiada pelo mais vil capitalismo do Mundo, o do Brasil. Arrependido ou não, agora pouco importa. Foram eles que o elegeram. Não fui eu. E talvez nem tenha sido você…
E, por último, um detalhe não menos importante.
Não é hora de ter medo. O seu medo, lamentavelmente, representaria que ELE venceu.
O medo do the day after (o dia seguinte) ao seu Impeachment – “e então? Como será? Quem assumirá? E a crise? E o dólar? E os militares?” – não pode ser maior que a imperativa necessidade de que ele saia, urgente, da nossa frente.
Com Collor, pra quem não lembra, foi assim – também.
O medo do amanhã nunca poderá impedir que o sol volte a sair.
Nós, vos pedimos com insistência.
Não digam nunca, isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
numa época em que reina a confusão,
em que corre sangue,
em que o arbitrário tem força de lei,
em que a humanidade se desumaniza.
Não digam nunca, isso é natural!
Para que nada passe a ser imutável
”.
(Bertold Brecht)

Flávio Carvalho (@1flaviocarvalho) é sociólogo, mora em Barcelona, e é colaborador do Blog Mundo Afora

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