Liberdade de expressão, cegueira, milicianos

Por Cesar Vanucci *

Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizer.” (Voltaire, enunciando princípio basilar do ideário democrático)

Liberdade de expressão. “Fake news”. Sem essa de aprontar confusão com referência a realidades irretorquivelmente distintas uma da outra. Como se costuma dizer no saboroso linguajar das ruas, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A liberdade de expressão é filha da inteligência. Parente consanguinea da razão, do bom-senso, da sensibilidade social. É uma projeção da grandeza do espírito humano, do somatório de valores nobres que emolduram a vida e conferem dignidade ao ser humano.

É um atributo inalienável do autêntico sentimento democrático. Traduz impecavelmente o direito de que cada cidadão é detentor, no curso da existência, de optar por uma crença religiosa ou política, de exprimir, com responsabilidade e respeito, nas palavras ditas ou escritas, suas ideias, sua interpretação do mundo e do enredo comunitário, sem que isso possa significar postura reprovável, injuriosa no olhar de quem, no exercício de direito idêntico, comungue pensamento diferente e se envolva em ações diametralmente opostas.

A liberdade de expressão é um apanágio da democracia. Quando cerceada ou posta inquisitorialmente sob ameaças, sejam disfarçadas, sejam escancaradas, a sinalização emitida pelo fato é de clareza solar: as instituições democráticas estão a perigo.

Já as “fakes news”, frutos daninhos da ignorância, da torpeza de intenções, do obscurantismo cultural, de iniciativas concebidas em ambientes trevosos, nada mais, nada menos representam que um cortejo maquiavélico, ignominioso da deformação moral e ética e da suprema indigência intelectual de idiotas e insensatos agarrados a credos insanos.

O caldo de cultura de onde provêm é inteiramente receptivo ao racismo, à negação dos direitos fundamentais, a discriminações de toda ordem. Circulando nas redes sociais com incompreensível desenvoltura, visíveis propósitos de difamar, caluniar e ilaquear a boa-fé de criaturas menos avisadas, as “fake news” constituem uma estridente contrafação da liberdade de expressão.

De inocultável feição antidemocrática, afrontam os códigos que regem a sociedade, exigindo dos poderes constituídos medidas que impeçam sua malévola proliferação. O Judiciário age corretamente quando define procedimentos legais, obviamente enquadrados nos preceitos democráticos, com vistas a conter seu ímpeto desagregador do tecido social.

· A Organização Mundial da Saúde confessa-se preocupada com a “séria cegueira” de alguns governos.  Observação endereçada a países que, em sua avaliação, permitem ou se mostrem indiferentes aos riscos fatídicos das aglomerações nas ruas e recintos fechados. Em comunicado, afirma categoricamente que todas essas movimentações, a quaisquer pretextos, revelam-se extremamente desaconselháveis. O avanço letal da pandemia recomenda bom-senso e responsabilidade.

A negligência na aplicação de providências preventivas, consideradas arbitrariamente dispensáveis por determinados gestores públicos, é de molde a provocar danos irreparáveis, com perdas preciosas de vidas. Relatório da instituição assinala, com todas as letras, pontos e vírgulas, que entre os países que oferecem maiores índices de contaminação e mortalidade, os Estados Unidos e o Brasil, fortes candidatos ao pódio na “maratona da pandemia”, são os dois únicos que se recusam a adotar, em extensão nacional, as restrições indicadas pelo veredicto da ciência.

· As áreas sob (rígido) controle das temíveis milícias cariocas são as que oferecem maior volume de casos de contaminação pelo coronavírus. Explicação óbvia: as recomendações a respeito do isolamento social e das medidas preventivas costumam ser “solenemente” ignoradas ou descumpridas nas regiões em foco. As ordens para circulação ou reclusão das pessoas, abertura ou fechamento das atividades produtivas, são dadas pelas “forças ocultas” que imperam absolutas no território.

As falanges fixam diretrizes e condutas que acabam sendo acatadas, por bem ou por mal, pela população indefesa. Por reféns de um estado de coisas assustador. Ao ponto de agentes públicos em certos instantes sentirem-se completamente desguarnecidos para o enfrentamento dos “fora da lei”. Os milicianos – a comunidade carioca está careca de saber – são especialistas em represálias aos que cometam o atrevimento de encará-los.

*  O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora.

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