Mulher negra se torna ícone da resistência a neonazis na Suécia
A imagem de Tess Asplund, 42 anos, ao desafiar cerca de 300 neonazis na Suécia, se tornou viral esta semana na Europa, estampando a capa de vários informativos e sendo replicada e comentada nas redes sociais. A foto, clicada por David Lagerlöf, foi feita no último domingo, Dia do Trabalhador, durante manifestação organizada pelo Movimento da Resistência Nórdica, na cidade de Borlänge.
Na imagem, Tess, de 42 anos e ascendência africana, está de punho erguido a enfrentar o grupo de extrema-direita. Entrevistada pelo jornal britânico The Guardian, agiu no momento. “Foi um impulso. Eu estava tão zangada, tive de sair para a rua”, confessa. “Só pensava: nem pensar, eles não podem marchar aqui. Nenhum nazi vai marchar aqui, não está correto”.
Depois da manifestação, ela apanhou um trem para Estocolmo e diz ter esquecido o assunto. Mas na segunda-feira (02) percebeu que a foto estava sendo compartilhada nas redes sociais, o que a fez temer. “Quero paz e sossego”, desabafa.
O medo não é em vão. Tess afirma que as ações do grupo são conhecidas e relata que alguns dos seus amigos já foram atacados e obrigados a mudar de casa. Ela diz que já recebeu telefonemas anônimos no meio da noite nas quais pessoas lhe gritam do outro lado da linha. “É difícil falar sobre o ódio. Sinto vergonha por termos este problema. As autoridades dizem que é um país democrático. Mas estamos a falar de nazis! É horrível”, confessa.
A manifestação de domingo acontece num momento em que os movimentos de extrema-direita estão crescendo na Suécia, explica Daniel Poohl, editor da Expo, uma revista anti-racista sueca, à qual pertence o fotógrafo que captou a imagem viral.
O impacto da fotografia foi tal que os meios de comunicação suecos já a compararam a uma outra famosa imagem, capturada por Hans Runesson em 1985, e que ficou conhecida como “a senhora com a mala”. Na imagem, hoje com mais de três décadas, uma mulher usa a sua mala para bater num skinhead do partido neo-nazi sueco, dissolvido em 2009.
As sondagens mostram que os Democratas Suecos, um partido nacionalista, conservador e anti-imigração, conquistam 15% a 20% das intenções de voto dos eleitores e mantêm o poder no Parlamento, enquanto a proliferação do seu discurso se espalha por sites que incitam ao ódio. É no espectro mais extremista desta ideologia que encontramos o Movimento da Resistência Nórdica, explica Poohl.
“Vivemos numa Europa onde as ideias de extrema-direita estão se tornando cada vez mais populares e também existe uma reação contra elas”. “Vivemos dias em que as pessoas aguardam por algo que canalize esta necessidade de resistir à Europa que constrói muros e fronteiras contra refugiados, uma Europa com quem não podem cooperar mais. O gesto de Tess capturou um desses conflitos actuais”, analisa.
A Suécia rejeitou, no início deste ano, a entrada de mais refugiados e migrantes da Ásia e Médio Oriente, alegando receio de que esta vaga ameace a segurança nacional, depois de se terem registado episódios de violência em centros de acolhimento de refugiados. Em janeiro o país começou a recusar a entrada de migrantes sem documentos.
No último ano, as Nações Unidas consideraram que o país tem um problema específico de Afrofobia. “O racismo foi normalizado na Suécia. Pensava que a Suécia em 2016 iria ser mais aberta, mas alguma coisa aconteceu”, lamenta Tess. “Espero que algo positivo resulte desta fotografia. Talvez aquilo que eu fiz se torne um símbolo de que qualquer pessoa pode fazer alguma coisa. Se uma pessoa o conseguiu, qualquer um consegue”, conclui.