Conspiração política contra independentistas gera protestos na Catalunha
As cidades mais importantes da Catalunha foram tomadas nesta quarta-feira (22) por manifestantes que foram às ruas pedir a demissão do ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, e do diretor da Agência Antifraude da Catalunha, Daniel de Alfonso. Gravações de conversas entre os dois, divulgadas ontem (21) pelo jornal espanhol Público, trouxeram à luz uma trama conspiratória do governo espanhol para incriminar membros dos partidos independentistas Convergência Democrática da Catalunha (CDC) e Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).
Numa das gravações, feita em novembro de 2014, quando a população catalã se preparava para votar uma consulta popular sobre o processo independentista, Fernández Díaz deixa clara a intenção de fabricar escândalos envolvendo membros dos partidos soberanistas. Alfonso explica ao ministro que estava investigando “coisas de Esquerda (ERC)”, que afirma não terem consistência para gerar interesse da imprensa.
Alfonso fala que está apurando denúncias contra familiares de Oriol Junqueras, atual vice-presidente da Catalunha e presidente de ERC. Ele diz que está tentando convencer o Grupo Planeta (proprietário da TV Antena 3 e o jornal La Razón) a “comprar” a denúncia. “Estou pedindo que averigue uma denúncia de enriquecimento do pai de Oriol Junqueras no município de Puigcerdà”, comenta. Ele acrescenta que está investigando um dos irmãos de Junqueras e integrantes do partido que são prefeitos.
Depois Alfonso comenta que também está tentando reunir provas de má gestão pública contra Francesc Homs (CDC), então porta-voz do governo catalão, que atualmente ocupa uma cadeira de deputado no Congresso Nacional em Madri. Alfonso também comenta que na sua lista também estão denúncias de irregularidades administrativas contra Felip Puig (CDC), então secretário de governo da Catalunha.
A divulgação das denúncias gerou uma onda de indignação na Catalunha, manifestada por sindicatos, partidos políticos, entidades da sociedade civil e imprensa. Especialmente porque a Agência Antifraude da Catalunha é um órgão institucional de controle interno da corrupção e supostamente independente das pressões dos partidos políticos. O caso é percebido como uma ingerência do governo de Madri e uma deslealdade por parte do diretor da agência.
Apesar da gravidade das denúncias, nenhum dos demais meios de comunicação sediados em Madri deu destaque ao caso. As principais manchetes ficaram restritas ao Público e aos meios de comunicação da Catalunha. Contudo, o caso foi repercutido pela imprensa estrangeira, como o Financial Times (Reino Unido), Grupo Bloomberg (EUA), La Tribuna e L’Indépendent (França), RTP (Portugal) e Der Tagesspiegel (Alemanha), entre outros.
As manifestações de hoje foram convocadas por três entidades soberanistas: a Assembleia Nacional da Catalunha (ANC), Òmnium Cultural (OC) e a Associação de Municípios pela Independência (AMI). Em Barcelona, o protesto reuniu integrantes de diversos partidos políticos, além de outras entidades da sociedade civil. Também ocorreram atos nas cidades de Tarragona, Berga, Girona e Lleida.
O presidente da ANC, Jordi Sànchez, declarou que se está diante de “um caso de corrupção de Estado”, referindo-se também a novas gravações divulgadas hoje pelo Público. “As novas gravações mostram que todo o aparelho do estado estava ciente do caso, começando pelo presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy”. “Temos claro que o que está em jogo aqui é a democracia”, disse Sànchez, convocando a população a desconectar da Espanha.
Sànchez se comprometeu a seguir trabalhando no processo independentista em curso, que pretende proclamar a república da Catalunha. Ele rechaçou o que reputou de “guerra suja dos esgotos do estado espanhol” e disse que o povo da Catalunha seguirá a folha de rota traçada para declarar a independência.
Jordi Cruixart, presidente da Òmnium, disse que a atitude de Díaz e Alfonso é intolerável. “Temos que reagir com contundência. Eles demonstram que não são democratas. E nós estamos aqui para dizer que vamos decidir nosso futuro livremente”, acrescentou, sob gritos de “independência” dos manifestantes.
Alfonso, convocado a depor nesta quinta-feira (23) diante do Parlamento da Catalunha, que tem o poder de retirá-lo do cargo, declarou que não fez nada que desabonasse sua conduta pública. E disse que recorrerá a justiça caso seja destituído.
Nas declarações que deu à imprensa catalã, Fernández Díaz negou que estivesse envolvido na conspiração contra os independentistas. O ministro do Interior, que controla os corpos policiais da Espanha, disse que é vítima e ordenou investigação para descobrir quem fez as gravações.
O presidente Mariano Rajoy apenas disse que a divulgação das gravações parte daqueles que querem interferir na opinião dos eleitores que votarão no próximo domingo (26), quando concorrerá à reeleição. O pleito se repete porque após a votação de dezembro passado, apesar de ter obtido a maioria das cadeiras no Parlamento, Rajoy não conseguiu o número necessário para garantir a investidura.