Anistia Internacional reúne provas de campanha de limpeza étnica de Myanmar contra os rohinyás

Provas reunidas pela Anistia Internacional demonstam que ataques que vem ocorrendo desde 25 de agosto contra etnia foram planejados, deliberados e sistemáticos, embora as autoridades do país asiático neguem a responsabilidade

A Anistia Internacional reuniu indícios que há uma campanha orquestrada pelas forças de segurança de Myanmar e grupos parapoliciais contra a etnia dos rohinyás. Povoados inteiros estão sendo incendiados e quem tenta fugir é alvo de atiradores. Os ataques, centrados no norte do estado de Rakhine, onde vive a etnia, começaram em 25 de agosto.

Imagem de áreas incendiadas em Maungdaw, cidade de Rakhine, registrada pela Anistia Internacional

Dados da ONG sobre incêndios, imagens de satélite e da área afetada, bem como entrevistas com testemunhas, corroboram que está havendo uma campanha orquestrada contra esta sociedade nas três últimas semanas. Durante este mesmo período nos últimos quatro anos os sensores por satélite não detectaram nenhum incêndio de magnitude como os de agora em nenhuma área do estado.
“Os dados são irrefutáveis. As forças de segurança de Myanmar estão tocando fogo no norte de Rakhine em uma campanha dirigida a expulsar os rohinyás. Não se enganem: é uma limpeza étnica”, afirmou Tirana Hassan, diretora de Resposta às Crises da Anistia Internacional.
Segundo a ONG, está sendo observado um padrão claro e sistemático de abusos. “Eles cercam uma povoação, disparam nas pessoas que fogem em pânico e logo incendeiam suas casas. Em termos legais se trata de um crime de lesa humanidade: ataques sistemáticos e expulsão forçada de civis”, completou Hassan.

Gráfico com imagem de satélite da zona afetada junto a fotografia do mesmo incêndio / Anistia Internacional

Até agora foram detectados ao menos 80 incêndios em grande escala nas áreas habitadas no norte de Rakhine. A operação militar foi iniciada depois o grupo armado Exército de Salvação Rohinyás de Arakán atacou um dos postos policais.
As imagens de satélite da comarca de Inn Din, zona de etnia mista no sul de Maungdaw, mostram claramente uma zona de casas rohinyás que foram queimadas, enquanto nas povoações vizinhas estão intactas.
De acordo com relato de uma testemunha, no primeiro ataque, em 25 de agosto, o exército acompanhado de um grupo parapolicial cercou o povoado de Inn Din. Primeiro disparou para o ar, depois indiscriminadamente contra os rohinyás que fugiam. O grupo se instalou na área durante três dias, saqueando e queimando casas.
O mesmo acontece com zonas urbanas, com bairros predominantemente rohinyás em Maungdaw totalmente arrasados, sem nenhum dano aos moradores das proximidades.
Há registros de incêndios em Myo Thu Gyi, em 28 de agosto, e em Yae Twin Kyun, no último dia 8 de setembro. As autoridades de Myanmar negam que as forças de segurança são as responsáveis pelos incêndios, afirmando que são os próprios rohinyás que estão tocando fogo em suas próprias casas.
“As tentativas do governo de colocar a culpa na população rohinyás são mentiras flagrantes. Nossa investigação deixou claro quem são os responsáveis”, apontou Tirana Hassan.
Quem são os rohingya?
Os rohingya são uma minoria étnica muçulmana de Myanmar, predominantemente alocada no estado de Rakhine. Seus membros não são oficialmente reconhecidos pelo governo como cidadãos, e há décadas a maioria budista birmanesa é acusada de submetê-los a discriminação e violência.
Desde o fim da Guerra do Vietnam, é a maior leva de refugiados que, em desespero, se atrevem a cruzar o Índico em busca de proteção noutros países. Tal como no Mediterrâneo, muitos naufragaram e perderam a vida a bordo das embarcações precárias dos clandestinos.
Outros, mais de 300 mil, atravessaram a fronteira terrestre e foram internados em campos de refugiados em Bangladesh, o país vizinho, onde foram acolhidos nas condições mais dramáticas.
Homens e mulheres, velhos e crianças, fogem de Myanmar – outrora conhecida por Birmânia – uma antiga colônia inglesa que se tornou independente em 1948 e que, desde o golpe de Estado de 1962, vive sob a tutela sangrenta dos militares que adotaram o budismo, professado pela maioria da população, como “religião de Estado”. São cerca de um milhão de pessoas os membros desta minoria muçulmana, designados por rohingya.
Os rohingya foram transformados em apátridas pela ditadura militar. Em 1982, com a aprovação de uma nova lei da nacionalidade, os militares que governam Myanmar retiraram-lhes a cidadania. Isso com o pretexto de que não integravam nenhuma das “raças nacionais”, classificação reservada apenas aos que pudessem comprovar que já residiam no país antes da chegada dos primeiros colonos britânicos, ou seja, antes de 1823.
Aos membros da mais importante minoria muçulmana residente em Myanmar, é negado o acesso a bens alimentares, aos cuidados de saúde, à educação. Não podem trabalhar fora das suas aldeias e para viajar ou até para casar, precisam de uma autorização oficial. Arrasaram as suas aldeias, incendiaram as casas e mesquitas centenárias, impuseram-lhes controles de natalidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.