Angel, assassinada pelo exército, se converte em símbolo de protestos contra golpe na Birmânia

Kyal Sin, conhecida como Angel, de 19 anos, dançarina e campeã de taekwondo, foi morta a tiros em protesto nas ruas de Mandalay, na Birmânia

Observem a foto destacada neste post. No canto esquerdo, se vê uma jovem caída no chão que veste uma camiseta na qual está escrito um slogan de esperança: Everything will be OK (Tudo ficará bem). Se trata  da jovem Kyal Sin, conhecida como Angel, de 19 anos, dançarina e campeã de taekwondo, pouco antes de ser assassinada a balas nas ruas de Mandalay, a segunda maior cidade da Birmânia.

A população tem reagido com protestos desde 1º de fevereiro, quando uma junta militar assumiu o poder por alegar uma suposta fraude eleitoral nas eleições de novembro. A Liga Nacional para a Democracia, liderada pela Conselheira de Estado e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, revalidou a vitória. San Suu Kyi está detido sob custódia militar desde então.

Como muitos manifestantes que não se renderam à escalada da repressão no país tomado por um golpe militar, Angel foi ao protesto convocado na última quarta-feira (03) lutar pela restauração da democracia no país. Ciente dos riscos, antes de sair fez uma publicação no Facebook com informações sobre seu grupo sanguíneo, um número de contato e uma autorização para entregar seu corpo em caso de morte.

Funeral de Angel, na Birmânia
Funeral de Angel, 19, que se transformou em símbolo dos protestos contra golpe na Birmânia

Angel se juntou à oposição democrática após votar pela primeira vez nas eleições de 8 de novembro. De acordo com declarações à agência de notícias Reuters, Myat Thu, uma amiga que a acompanhou no protesto, antes de ser ferida Angel protegeu os outros manifestantes dos gases lacrimogêneo e dos tiros. Pouco antes da polícia abrir fogo, ela pôde ser ouvida em um vídeo gritando: “Não corra, nenhum sangue deve ser derramado.”

Muitas pessoas se dispersaram depois do lançamento de gases e do tiroteio, entre elas as duas amigas. Mais tarde, Myat Thu recebeu a notícia da morte de Angel. Há registros em fotos na qual a jovem aparece deitada ao lado de outra vítima. Angel foi enterrada na quinta-feira (04) numa cerimônia acompanhada por centenas de pessoas. Em meio ao caos no país, a jovem se converteu em um símbolo nacional dos protestos.

DIA SANGRENTO – No dia em que Angel foi assassinada, a Birmânia viveu o dia mais sangrento desde que eclodiram os protestos dos cidadãos por causa do golpe da junta militar. De acordo com as Nações Unidas, 38 pessoas foram mortas na jornada. Manifestações pacíficas foram recebidas com dura repressão por parte do exército e da polícia, que usaram munição real contra os manifestantes e atiraram neles diretamente no peito ou na cabeça.

Apesar das demandas internacionais, os conspiradores do golpe não pararam os ataques no último mês de protestos. O massacre da quarta-feira mais do que dobraram o número de mortes nos protestos, que atraíram centenas de milhares de pessoas às ruas da Birmânia. O exército disse que está agindo contra os “manifestantes insurgentes” sob o pretexto de que mataram um policial. De acordo com a contagem da ONU, mais de cinquenta cidadãos foram mortos.

A Save the Children documentou a morte de pelo menos quatro menores nos protestos, incluindo a de um menino de 14 anos. De acordo com a Radio Free Asia, o menino foi morto a tiros por um soldado em um comboio de caminhões militares. Os soldados colocaram seu corpo em um caminhão e partiram, de acordo com o relatório. “As cenas brutais de violência e morte lembram um campo de batalha, as forças de segurança usam munição real para atirar em manifestantes desarmados”, disse a ONG, que supervisiona os direitos das crianças. Também alerta para os traumas e efeitos psicossociais na infância gerados por essa escalada de violência de longo prazo.

CONSELHO DA ONU – A enviada especial da ONU para a Birmânia, Christine Schraner Burgener, certificou o número sangrento de 38 mortos apenas na quarta-feira. O número total até agora é superior a 50, enquanto os militares tentam impor sua autoridade à força. Schraner Burgener falou de sanções internacionais e isolamento contra a junta militar, sem especificar quais medidas e em que prazo elas serão tomadas.

Nenhum porta-voz da junta militar quis fazer declarações à imprensa em relação às mortes de civis e, segundo o relator da ONU, não tem medo de sanções.Tudo indica que, hoje, o Conselho de Segurança da ONU discutirá sua política para a Birmânia a portas fechadas.

Outro enviado especial da ONU, Tom Andrews, disse no Twitter que “convida os membros do Conselho a assistir a vídeos da violência contra manifestantes pacíficos antes da (reunião) sexta-feira”.

REAÇÕES INTERNACIONAIS – O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, disse que estavam “desanimados” com a violência e avaliando como responder. E estão confiantes de que a China terá um papel construtivo nas negociações. Contudo, a mídia estatal chinesa se refere ao golpe como uma “grande remodelação do gabinete”.

A União Europeia considera que o direito internacional foi violado pelo ataque militar aos protestos. “As forças de segurança da Birmânia agora parecem prontas para derrubar o movimento anti-golpe por meio de violência e brutalidade absurdas”, disse o pesquisador da Human Rights Watch, Richard Weir.

 Aung San Suu Kyi
Manifestantes com retratos de Aung San Suu Kyi , que está presa pelos militares

O líder geral do Conselho, Min Aung Hlaing, prometeu realizar novas eleições sem especificar o prazo. O exército declarou estado de emergência por um ano. Suu Kyi, 75, está incomunicável desde o golpe, mas esta semana apareceu no tribunal por videoconferência e “com boa saúde”, segundo seu advogado.

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