Anistia Internacional acusa União Europeia de ser cúmplice de crimes contra migrantes na Líbia
Organização Não Governamental divulga relatório em que acusa UE de colaborar com rede criminosa sujeita migrantes e refugiados a tortura, trabalhos forçados, extorsão e assassinatos. Estimativa é de que 20 mil pessoas estão retidas hoje no país africano
Relatório divulgado pela Anistia Internacional acusa a União Europeia (UE) de ser cúmplice do “sistema de abuso e exploração de dezenas de milhares de migrantes e refugiados” na Líbia. “A tenebrosa teia de conluio na Líbia: abusos de refugiados e migrantes rumo à Europa”, publicado no rastro da denúncia de venda de escravos no país africano – critica a canalização de fundos da União Europeia para autoridades que colaboram com redes de tráfico de pessoas.
“Refugiados e migrantes retidos na Líbia estão à mercê das autoridades líbias, de milícias, grupos armados e traficantes que frequentemente operam em conjunto para obterem ganhos financeiros e dezenas de milhares são mantidos indefinidamente em centros superlotados, onde estão sujeitos a abusos sistemáticos”, ressaltou o diretor da Anistia Internacional para a Europa, John Dalhuisen.
A organização afirma que 20 mil pessoas são mantidas em campos de detenção e estão sujeitas a tortura, trabalhos forçados, extorsão e assassinato. “Os governos europeus não só estão totalmente a par destes abusos como, ao ativamente apoiarem as autoridades líbias a barrarem as travessias marítimas e a reterem as pessoas na Líbia, são cúmplices destes crimes”, frisou Dalhuisen.
A Líbia é a principal porta de saída para migrantes que tentam chegar à Europa por meio da travessia do Mar Mediterrâneo. Para controlar a recente onda migratória, a UE vem apoiando o governo líbio desde 2015, através do treinamento e do fornecimento de equipamentos à guarda costeira e da doação de milhões de euros para melhorar as condições dos campos onde ficam retidos os migrantes.
Segundo os relatores da ONG, a Guarda Costeira líbia colabora com grupos criminosos envolvidos no tráfico humano “com o conhecimento das autoridades europeias”. O que tem resultado num quadro de “detenções em massa, arbitrárias e por tempo indefinido” de refugiados e migrantes. Os refugiados e migrantes interceptados pela Guarda Costeira são encaminhados para centros de detenção administrados pela Diretoria Geral para o Combate à Migração Ilegal (DCIM).
RELATOS – A Anistia Internacional recolheu testemunhos de vítimas de tortura, trabalho forçado, extorsão e até mesmo relatos de execuções sumárias e acredita ter suficiente material de prova para levar as autoridades europeias à justiça. Um homem identificado como Mumin (nome falso) conta como é estar num centro de detenção: “É como o inferno. Um grande armazém com pequenas salas. Nunca vemos a luz do sol. Estamos fechados numa sala, cada um banheiro. Os quartos estão cheios, não há espaço para dormir no chão ao mesmo tempo.”
Já Bakary, da Gâmbia, relata a violência noutro centro e como a família foi obrigada a pagar pela sua libertação. “Fiquei lá três meses, depois paguei 500 dinares líbios e deixaram-me ir. No centro não me deram comida, bateram-me com uma mangueira de plástico, porque queriam dinheiro para me libertar. Eles telefonam à família quando te batem para a família enviar dinheiro.”
Outros migrantes explicaram à organização como funciona a colaboração entre os traficantes e a Guarda Costeira da Líbia: “Eles fazem um sinal a vermelho no barco. Se a marinha ver isso, significa que pagaram”, contou Marvin, do Senegal. Esses barcos são autorizados a cruzar o Mediterrâneo sem serem interceptados.
“Os governos europeus devem repensar a cooperação com a Líbia na migração e permitir que as pessoas cheguem à Europa por caminhos legais, incluindo a recolocação de dezenas de milhares de refugiados. Devem insistir junto das autoridades líbias no fim da política e da prática de detenções arbitrárias de refugiados e migrantes, na imediata libertação de todos estrangeiros mantidos em centros de detenção e permitir que o o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) opere sem obstáculos”, insta Dalhuisen.
Nos primeiros 11 meses do ano, o número total de chegadas através da rota do Mediterrâneo Central (pela Itália) foi de 116 400 – um terço das registadas no mesmo período de 2016. Só na rota que termina na Espanha é que se regista um aumento de entradas – 21 100 entre janeiro e novembro, 140% mais do que no ano passado. No total, em todas as rotas, há uma queda de 62% em relação a 2016, segundo os dados da Frontex.