As sugestivas revelações da Copa

Por Cesar Vanucci *

“Numa arquibancada, nos apertões de um estádio,(…) vejo e escuto o povo em plena criação”.

(José Lins do Rego)

Futebol é mesmo uma festança incomparável. Um instrumento extraordinário para o exercício da confraternidade social. Uma forma vigorosa de projetar aquilo que se conhece por sentimento do mundo. A esplêndida Copa da Rússia, desencadeando torrentes de emoções e alegrias genuínos, comprovou isso outra vez mais.

As disputas nos gramados deixaram gravadas na memória coletiva lembranças de duradoura fulgurância. Centenas de milhões de espectadores compactados nas arquibancadas dos monumentais estádios, ou alojados descontraidamente nas arquibancadas virtuais criadas pela esfuziante cobertura televisiva em tudo quanto é canto, espicharão por bom tempo ainda os comentários a respeito das sensações vivenciadas. Considero extremamente sugestivo o que escritor José Lins do Rego contou, de certa feita, ao surpreender-se “numa arquibancada, nos apertões de um estádio”, vendo e escutando “muita coisa viva”, vendo e escutando “o povo em plena criação”. Numa Copa como a da Rússia toda essa efervescência ganha reverberações universais.

O que não dizer da coreografia arrebatante executada por um punhado de craques fazendo a bola rolar em direção do gol, ou se esforçando por fazê-la distanciada desse alvo consagrador? O que desfilou diante de nossos olhares extasiados foram momentos de irretocável beleza plástica, em detalhes incríveis captados por equipamentos de suprema sofisticação.

Fique claro, porém, uma coisa, futebol momentaneamente deixado ao largo: toda essa parafernália eletrônica ao dispor dos jogos, nascida de uma fabulosa engenhosidade tecnológica, vale muito bem para fortalecer nas mentes e corações dos que professam crenças e confiança humanísticas uma ardente esperança. A esperança de que, algum dia, possa brotar nos domínios dos “donos do mundo” uma vontade sincera de canalizar por inteiro o instrumental das conquistas técnicas em favor da construção de um mundo diferente. Um mundo melhor, mais fraterno, liberto da fealdade dos desequilíbrios sociais que tanto sofrimento espalha por aí.

Mas, retomando o jogo futebolístico propriamente dito, há que se louvar, com alusão ainda à Copa, o inovador processo da arbitragem complementar eletrônica. A experiência de agora, comportando algum provável reacerto nos métodos de aferição, abre a perspectiva de que as decisões dos juízes e bandeirinhas ganhem em eficiência. Todavia, pode-se apostar, não haverá como eliminar, jeito maneira, as costumeiras avaliações passionais de um bocado de torcedores. A controvérsia está, afinal de contas, na medula do esporte das multidões.

Avaliada pelos prismas sociológico e psicológico, essa Copa da Rússia foi bastante rica em revelações. Numa hora de agudas tensões provocadas por intolerância racial, xenofobias aviltantes, manifestações hostis a imigrantes sem eira nem beira, fanatices fundamentalistas, práticas racistas repugnantes, a saudável composição étnica da seleção merecidamente agraciada com o título representa eloquente afirmação de que existem saídas, sim, para os conflitos fora de propósito que enxameiam a vida contemporânea e que tanto retardam a marcha ascensional civilizatória. A celebração da talentosa equipe campeã mostra aos preconceituosos de diferentes matizes a estupidez de suas reações.

De outra parte, o ardor combativo da simpática e bem entrosada seleção da Croácia, com performances que espantaram os entendidos em futebol, evidenciou que em todo tipo de empreitada humana é de extrema valia juntar-se um pouco de humildade ao talento e à capacidade. A lição ajusta-se como luva ao escrete canarinho, que anda trocando as chuteiras por sapato alto de grife. Como sabido, os deslumbrados condutores do futebol penta campeão optaram, de tempos a esta parte, pela convocação exclusiva de atletas enquadrados naquilo que a crônica esportiva batizou como “legião estrangeira”.

Às vésperas dos torneios importantes, jogadores um tanto quanto desfamiliarizados com os hábitos culturais de sua terra natal, desfrutando as seduções de uma realidade socioeconômica diferenciada, são recrutados às pressas para a missão de representar o Brasil. O esquema não tem funcionado a contento. Montar um time com valores que atuem nos campeonatos nacionais, que possam ser reunidos com alguma frequência e treinados dentro de uma metodologia comum acompanhada mais de perto pela direção técnica, afigura-se iniciativa em condições de ser contraposta vantajosamente ao que vem sendo ultimamente realizado. As chances de dar certo são bem maiores, no modo de ver de experimentados analistas do fascinante jogo de bola, que tanto mexe com a alma das ruas.

* O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora
Artigo datado de 19/07/2018

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