Silêncio do governo espanhol após denúncia de que mentor do atentado de Barcelona foi confidente do serviço secreto
Reportagens do jornal Público, frutos de investigações feitas durante um ano e ancoradas em provas documentais, questiona porque polícia espanhola não atuou para barrar terroristas que mataram 16 pessoas em agosto de 2017 na Catalunha
Está causando estupor entre meios de comunicação da Catalunha e internacionais a série de reportagem que vem sendo publicada há dois dias pelo jornal Publico (www.publico.es) com provas de que o mentor dos atentados em Barcelona e Cambrils em 17 de agosto de 2017 era informante do Centro Nacional de Inteligência (CNI), do governo espanhol.
Segundo as reportagens exclusivas do jornalista Carlos Enrique Bayo, o imã de Ripoll, Abdelbaki es Satty, líder da célula terrorista foi monitorado de perto pelo serviço secreto até a semana do ataque que matou 16 pessoas e deixou mais de cem feridas, de 34 nacionalidades. Além disso, o CNI mantinha interceptados os telefones de alguns dos autores do massacre.
Após a publicação, muitas vozes se levantaram nas redes sociais para cobrar uma explicação sobre as denúncias, provenientes dos informes do CNI aos investigadores policiais e ao Ministério Público. Até agora, com duas reportagens publicadas com suporte de diversos documento, o governo da Espanha, comandado pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez (PSOE), não se pronunciou.
Tampouco a informação repercutiu nos demais meios de comunicação baseados em Madri, que não dedicaram uma linha sequer às denúncias, cuja repercussão se propagou por diversos informativos de outros países europeus. Ontem (16), na primeira reportagem do Público, o presidente da Catalunha, Quim Torra, se manifestou pedindo que as autoridades assumam responsabilidades.
És un escàndol gravíssim. Exigim explicacions al govern espanyol i que s’assumeixin les més altes responsabilitats. El silenci imposat pels partits del 155 és intolerable. Dos anys després de l’atemptat, les víctimes i tota la ciutadania mereixen respecte i tota la informació. https://t.co/gRVKiKRjnR
— Quim Torra i Pla (@QuimTorraiPla) 16 de julho de 2019
“É um escândalo gravíssimo. Exigimos explicações ao governo espanhol que se assumam as mais altas responsabilidades. O silêncio imposto pelos partidos do 155 é intolerável. Dois anos depois dos atentados, as vítimas e toda a cidadania merecem respeito e toda informação”, escreveu no Twitter. Torra faz referência ao fato do PSOE, PP e Cidadãos – que se aliaram à época contra os independentistas catalães e decretaram em outubro de 2017 a intervenção no governo e Parlamento locais – terem barrado logo após os atentados um pedido para instalação no Congresso de Deputados de uma comissão de investigação sobre o ataque.
El silencio de los grandes medios sobre lo que el CNI sabía de los terroristas de Las Ramblas revela cómo funciona el poder en España. Y sirve para entender ciertos vetos para que nada cambie. ¿Por qué PP, PSOE y Cs impidieron que el Congreso investigara? ¿Por qué callan hoy? pic.twitter.com/fxjicrDeBx
— Pablo Iglesias (@Pablo_Iglesias_) 17 de julho de 2019
A única voz entre os políticos espanhóis que se pronunciou, hoje (17), foi a de Pablo Iglesias, líder do Podemos. Hoje em seu Twitter, lançou crítica aos que barraram as investigações em Madri. “O silêncio dos grandes meios sobre o que o CNI sabia dos terroristas de Las Rambles revela como funciona o poder na Espanha. E serve para entender certos vetos para que nada mude. Por quê PP, PSOE e Cidadãos impediram que o Congresso investigara? Por quê calam hoje?”, questionou.
Um dos documentos divulgados pelo Público sobre o monitoramento do grupo terrorista, relata os movimentos feitos em Paris poucos dias antes dos atentados por Omar Hichamy e Younes Abouyaaqoub, este último autor do ataque numa das mais movimentadas áreas de Barcelona. A precisão no seguimento do trajeto dos jovens por parte da polícia se deve às interceptações dos seus telefones celulares. O informe detalha as visitas dos dois à Torre Eiffel, a compra de uma câmera fotográfica e de dois chips para os celulares que os jovens ativaram com identidades falsas.
O Público questiona nas reportagens como é possível que o serviço secreto espanhol estivesse a par não só apenas desta viagem, mas de outras feitas pelos integrantes do grupo a outros países, incluindo conversas sobre seus projetos e objetivos, e não haja posto fim às atividades de preparação do atentado. O CNI também tinha informação dos contínuos deslocamentos pela estrada até Ripoll, onde todos residiam, em cuja mesquita Es Satty pronunciava inflamados serões islamistas.
Na reportagem, o Público informa ainda que no dia seguinte ao atentado, o CNI apagou a ficha do informante Es Satti da base de dados, um procedimento que somente pode ser feito desde a sede central do serviço secreto em Madri. Sabe-se ainda que o CNI se comunicava com o imã através de um sistema de comunicação chamado “correio morto”, criado por Bin Laden para encobrir suas comunicações. Neste sistema, não se pode interceptar nada porque os usuários de um mesmo e-mail deixam apenas textos nos rascunhos, que não são enviados, portanto não circulam pela rede mundial de computadores.
Este sistema esteve ativo até dois meses antes do atentado no centro de Barcelona. A conta secreta do Gmail era adamperez27177@gmail.com. Os códigos do “correio morto” estavam anotados em um papel encontrados nos restos do chalé que os terroristas ocupavam na cidade de Alcanar, no litoral da Catalunha, onde preparavam bombas para o ataque. A casa se foi pelos ares em explosão ocorrida em 16 de agosto de 2017, matando o próprio Es Satty e um dos seus cúmplices, Youssef AAlla, que estavam guardando o material.
O material do jornal, é fruto de investigação de quase um ano, e ainda estão previstas mais publicações nos próximos dias. O que tem alimentado as teses de que naquele momento de tensão entre independentistas e governo espanhol havia interesse em desmoralizar os então dirigentes catalães. Faltavam três meses para realização do referendo de 1 de outubro, que deu passo à frustrada declaração de independência e a ativação da repressão na região.