Juliana Notari e o xibiu do Brasil

*Por Flávio Carvalho

Oie, Flávio; otra vez, sobre Pernambuco, en los diarios. ¿Tú ciudad, sí?”.

Não amigo espanhol. Pernambuco é mais que uma cidade. Mas, sim, não me canso de escutar Pernambuco por aqui – na Catalunha, onde eu vivo.

Ano passado, quando estive em Pernambuco, escutei falar por todos os lados de uma tal Usina de Cultura. Um exitoso projeto cultural que está na região que recebe o nome de uma Mata que já não existe, foi devastada, pelo monocultivo latifundiário da cana-de-açúcar. Zona da Mata que já não existe; típico do meu Brasil. Foi na Zona da Mata que eu vivenciei de perto, por exemplo, nos anos 90, a brava luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Naqueles anos, eu fui na casa de um amigo artista chamado Peixe. Era o dia de aniversário da sua filha, Juliana Notari. Foi a primeira vez que eu conheci a arte de Juliana, na Rua Prudente de Moraes, no Sítio Histórico de Olinda. Encantadora. A arte, a rua, Olinda (minha cidade)…

Durante aquela festa aconteceu algo interessante. Uma menina se defendeu. Eu nunca esqueci. Gostei do que vi. Hoje seria um acontecimento feminista. Como uma obra de arte comprometida com o seu tempo se faz mais feminista (até mesmo) por quem a critica, como política.

De repente, no El País, uma foto imensa de um xibiu, vermelho, lindo, arrodeado do verde natural da regiao. Xibiu é como eu chamava, em pernambuquês, vagina (ou buceta mesmo), naquele tempo, em Olinda.

Comecei este ano 2021 desfrutando, durante horas, encontrando a obra de arte de Juliana pelas redes sociais. Fugi da crítica de arte, não quis “entender”. Eu queria sentir a força da proposta artística, mais que tudo. Consegui. Escapei de intermediários diversos. Boa arte não precisa. Nunca precisou. Nunca precisará.

Durou pouco minha alegria. Reli a matéria no El País e redescobri vários homens, críticos de arte, consultados, argumentando sobre o que insistentemente, lamentavelmente, predominava: reacionarismo e conservadorismo, consoantes com a atual situaçao política do país. Percebi que a matéria do que já foi o jornal mais importante da Espanha, o El País, falava menos de Juliana e mais de Bolsonaro. Que merda. Como boa artista, ela merece mais.

Venceram no dia que seguirmos falando mais da reação conservadora do que da obra de arte em si.

Seguirei falando da força daquele vermelho, da arte de Juliana, do sentimento que vem primeiro e só depois nos faz pensar.

Eu quero ver toda a Espanha falando mais daquele xibiu do que do presidente do Brasil.

“A fim de fazer um pecado
A cor do pecado é rouge carmim” (Alceu Valença).

Juliana, Peixe, Rebeka, Serginho, aquele abraço.

Flávio Carvalho

 

Flávio Carvalho (@1flaviocarvalho / @quixotemacunaima) é escritor e sociólogo.

Puigdàlber, como se fosse em Catende. Janeiro de 2021.

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