Lesly, a heroína: foi assim que os quatro irmãos colombianos sobreviveram 40 dias na selva

O conhecimento do ambiente da irmã mais velha, de 13 anos, poderia explicar como as quatro crianças sobreviveram uma situação extrema

A história dos quatro irmãos que sobreviveram 40 dias perdidos na maior selva do planeta, a Amazônia, deu a volta ao mundo. Muitos o descreveram como um “milagre”, mas a verdade é que, à medida que se vão conhecendo os detalhes da jornada, é muito provável que tenham sobrevivido graças aos conhecimentos indígenas da irmã mais velha, Lesly, de 13 anos, aprendidos em sua comunidade Uitoto, no ambiente onde ela cresceu.

Imagem do ressgate das crianças na selva colombiana

Lesly sabia quais frutas poderiam ser comidas e os perigos de uma selva onde chove diariamente e existem dezenas de animais perigosos. Os irmãos moravam na comunidade de Araracuara, no meio da mata. Um lugar tão remoto que na década de 1930 decidiram construir ali uma prisão a céu aberto que funcionou até o início dos anos 1970, cercada pela própria selva, um ambiente impenetrável para muitos.

No dia da queda do avião que levou as crianças ao início de uma viagem de cinco semanas, os quatro menores e a mãe estavam saindo de Araracuara para reencontrar o pai da família, Manuel Ranoque, que havia deixado a região após receber ameaças dos guerrilheiros que operam na área.

O piloto do avião informou que estavam com problemas no motor e logo em seguida foi perdido o contato com o aparelho. Os três adultos que estavam no avião morreram, mas as quatro crianças sobreviveram, e foi aí que começou o grande desafio da irmã mais velha, Lesly: salvar sua vida e salvar a vida de seus irmãos.

A HEROÍNA – O conhecimento indígena de Lesly, aprendido em sua comunidade Uitoto, sobre o ambiente onde ela cresceu, as frutas que podem ser comidas e os perigos de uma selva onde chove diariamente e existem dezenas de animais perigosos, ajudou a manter os quatro vivos irmãos. Ela cuidou de Soleiny, 9, Tien Noriel, 5, e Cristin Neruman, um bebê de1 ano, por 40 dias e 40 noites. Segundo alguns familiares, primeiro comeram farinha de mandioca e quando acabou passaram a comer as sementes e depois frutas.

O diretor médico do hospital onde eles passarão as próximas duas a três semanas também a chamou de heroína, e o presidente colombiano, Gustavo Petro, publicou uma foto em que abraça Lesly, com um texto em que o conhecimento indígena é válido: “O espírito da selva”

Quando as equipes de resgate do exército já buscavam as crianças há três semanas, as instituições entenderam que a Operação Esperança, como havia sido apelidada a busca pelas crianças, precisava de conhecimentos ancestrais indígenas. Foi então que se agregaram integrantes da guarda indígena, órgãos de defesa territorial das próprias comunidades indígenas, de quatro departamentos florestais.

Para os indígenas, na selva, cada árvore, animal, rio ou montanha tem seu próprio espírito, por isso é muito importante fazer um pacto com a mãe selva. Eles consideravam que a mãe floresta havia recolhido as crianças perdidas e não as deixava sair, como explica Giovanny Yule, membro da guarda indígena nasa:  “Houve uma conversa espiritual com os espíritos da floresta mãe, nesta conversa foi feito o exercício de abrir um caminho para poder estar no território e poder harmonizá-lo, poder estabelecer um acordo para que a mãe floresta poderia dar à luz as crianças.”

Segundo as crenças indígenas, quando alguém é acolhido ou se perde na selva, sempre há pessoas para orientá-lo. Acredita-se que na selva onde as crianças foram perdidas existam indígenas isolados, pessoas consideradas pelas comunidades como uma chave essencial para a sobrevivência das crianças.

RESGATE – Apesar da alegria de ter encontrado os quatro irmãos, o resgate não acabou. Wilson, um dos cães do exército que ajudou a encontrar as crianças e passou os últimos quatro dias com elas, se perdeu nos momentos finais da operação de resgate. O cachorro foi chave para as equipes de busca, foi ele quem encontrou a mamadeira no meio da vegetação e seus rastros nos permitiram chegar até as crianças. O exército já informou que não vai parar as buscas até que seja encontrado:

Lesly e seus quatro irmãos conseguiram sobreviver mais de um mês na selva, mas muitas outras crianças na Colômbia não sobrevivem em suas próprias comunidades. Muitas comunidades indígenas na Colômbia sofrem com a violência de grupos armados e vivem sob a ameaça de guerrilheiros, como Manuel Ranoque, pai das crianças encontradas na selva. Sem ir mais longe, apenas algumas semanas atrás, quatro menores foram mortos por dissidentes das FARC. Fugiram da milícia da selva, mas foram encontrados e mortos por desertores, apesar de a Colômbia ter assinado a paz com as FARC e, mais recentemente e temporariamente, com o ELN.

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