Quanto tempo a Terra pode aguentar para que haja vida?
Revista Nature publica estudo científico realizado por 40 cientistas de todo mundo que indica que já cruzamos a maior parte dos limites que tornam a Terra um lugar “seguro” e “justo”
A pergunta-título tem uma resposta devastadora para nós habitantes do planeta azul. Segundo um estudo científico publicado na semana passada pela revista Nature, com a participação de 40 cientistas de todo o mundo, os humanos estão correndo “riscos demais” e colocando em perigo o futuro da civilização e de todos os seres que vivem no planeta Terra. Diante da gravidade da situação, este grupo de cientistas apresenta “quantificações e uma base científica sólida para avaliar o risco do estado de saúde planetário, não só ao nível da estabilidade e resiliência do sistema terrestre, mas também ao nível da bem-estar humano, equidade e justiça”.
Além de listar todas as variáveis ambientais que devemos rever, o estudo incorpora dois elementos que considera essenciais para que a humanidade não se extingua: Incluir justiça e equidade na equação e exigir “gestão adequada e urgente dos bens comuns” não apenas dos governos, autarquias e instituições públicas, mas também do setor privado, empresas e particulares que são responsáveis por parte desta perda de biodiversidade ou pela desestabilização do sistema, e que também são necessárias para reverter a situação”.
UMA VARIÁVEL CHAVE – O estudo vai além das variáveis biofísicas e alerta que, sem “equidade e justiça” não se pode ter um planeta “seguro”, nem mesmo em termos ambientais, como garante a professora Joyeeta Grupta, coautora do estudo: “A justiça é uma necessidade para a humanidade viver dentro dos limites planetários. Há evidências contundentes de que ela é necessária para a estabilidade planetária. Não podemos ter um planeta seguro em termos biofísicos se não houver justiça.”
O relatório alerta que acima de 1,5ºC, a retroalimentação dos impactos pode impossibilitar a reversão de seus efeitos. A ilha de Tuvalu, por exemplo, afundaria nas águas antes de atingir esse limite. Um limite “justo” é, portanto, aquele que minimiza tanto quanto possível os danos, o impacto negativo da crise climática na perda de vidas, meios de subsistência, deslocamento, perda de colheitas, desnutrição ou doenças crônicas. Segundo os especialistas exemplificam, seria justo não extrair do subsolo mais recursos hídricos do que pode ser regenerado, considerando não só o consumo humano, mas também o de animais e demais espécies que precisam dessa água para sobreviver.
Dessete elemento foram e agrupados em até 8 indicadores-chave. A maioria dos quais já superamos perigosamente, que são: aquecimento global, quantidade de reservas naturais ainda selvagens, estado das águas superficiais e subterrâneas, quantidade de nitrogênio e fósforo no ciclo dos nutrientes devido ao uso de fertilizantes, aos aerossóis poluentes e à integridade funcional – o que significa a mudança de usos da terra. Como alerta o estudo, em 6 desses 8 indicadores já foi ultrapassado o limite “seguro” para a sobrevivência do planeta, e em 7 dos 8, o limite “justo”.
INDICADORES ATRASADOS – A Comissão da Terra quantificou limites seguros e justos em quatro áreas principais: clima, biodiversidade, água doce e vários tipos de poluentes no ar, solo e água. E na maioria dos casos, já cruzamos as linhas vermelhas marcadas. A situação é crítica:
– Estamos alterando os fluxos de água
– Liberamos muitos nutrientes nos rios para o uso de fertilizantes
– Estamos ficando sem reservas naturais
– E já ultrapassamos o limite climático “seguro e justo” para o aquecimento global, fixado em 1°C acima dos níveis de temperatura pré-industriais.
LIMITES ULTRAPASSADOS – O documento mostra que há excesso no uso de de fertilizantes, o qual tem o pior indicador. O chamado “ciclo de nutrientes” é a variável que mais preocupa e o estudo e se refere ao excesso de nitrogênio e fósforo na água e na terra, globalmente, que já ultrapassa os níveis seguros e justos. Em ambos os casos, duplicaram-se os limites máximos que os sistemas naturais podem gerir, poluindo os ecossistemas e colocando em risco as espécies que aí vivem.
Em relação à biosfera, de acordo com o estudo, precisamos que pelo menos metade dos ecossistemas estejam intactos, ou seja, que sejam reservas naturais inexploradas para que possam regenerar o planeta, uma porcentagem que não é atendida. Globalmente, não temos nem a metade desse percentual.
Os cientistas também relatam que ultrapassamos os limites seguros e justos na alteração do ciclo da água. Nas águas superficiais, alteramos a vazão de água em 34% ao mês, quando não deveríamos ultrapassar 20% ao mês; e nas águas subterrâneas superamos em 47% os limites que deveriam permitir a recuperação natural dos aquíferos do planeta.
Sobre o aquecimento global do planeta, o limite seguro de aumento de 1,5 ºC estabelecido na cúpula do clima de Paris, COP21, que pedia muito para limitar o aquecimento global, ainda não foi ultrapassado abaixo de dois graus, e se possível não ultrapassar um grau e meio, mas o “justo” limite de 1 ºC foi ultrapassado (atualmente estamos em um aumento de 1,2 ºC), o que já está causando danos significativos em muitas partes do planeta devido às mudanças climáticas.
A variável mais promissora, que ainda não foi transgredida a um nível justo ou seguro, é a emissão de aerossóis poluentes, onde ainda não foram ultrapassados os limites que podem provocar alterações nas monções e prejuízos para a saúde humana.
O documento traz ainda uma advertência em relação à Covid-19, uma vez que a OMS desativou a emegência mundial pela pandemia, lembrando que a organização não descarta que novas variantes possam aparecer a longo prazo (esperemos). Por tudo isso, já publicaram um documento – que deverá ser uma ferramenta útil até 2025 – que atualiza a estratégia de prevenção, controle e resposta à doença para o futuro.