Expulsão de refugiados da Europa viola direito internacional, diz Acnur
O polêmico acordo entre Europa e Turquia, selado na noite da segunda-feira (07), para frear o fluxo migratório rumo ao continente foi questionado hoje (08), pelo pelo diretor regional europeu do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Vincent Cochetel. A proposta acordada entre os 28 países-membros da União Europeia (UE) e o Governo turco, em Bruxelas, prevê que todo estrangeiro que chegar ilegalmente à costa grega, inclusive sírios fugindo da guerra civil em seu país, serão enviados à Turquia.
Em troca, a UE se compromete tirar da Turquia um número de refugiados equivalente ao de expulsões. O acordo inclui mais três condições para a Europa: aumentar os 3 bilhões de euros (12 bilhões de reais) destinados à Turquia para assistência aos refugiados, isentar os cidadãos turcos da necessidade de visto para viajar a União Europeia já a partir de junho e avançar no processo de adesão ao bloco europeu.
“A expulsão coletiva de estrangeiros é proibida, segundo a Convenção Europeia de Direitos Humanos”, afirmou Cochetel a jornalistas em Genebra. “Um acordo que seria equivalente a um retorno sumário a um terceiro país não é consistente com a lei europeia, com a lei internacional”, disse.
Cochetel lembrou que a Europa nem sequer cumpriu o acordo de setembro passado de realocar 66 mil refugiados da Grécia, tendo redistribuído somente 600 dentro do bloco até o momento. “O que não aconteceu na Grécia irá acontecer na Turquia? Veremos, tenho minhas dúvidas”, afirmou à rádio suíça RTS.
A proposta da UE apoia-se “na lógica de que os sírios podem solicitar asilo na Turquia, segundo sublinhou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, na entrevista coletiva com ele, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o primeiro-ministro turco Ahmet Davutoglu, ao término da cúpula. “Conseguimos um grande avanço”, acrescentou Tusk.
O fechamento definitivo do acordo com o premiê turco ficou para para a próxima cúpula do bloco, entre os dias 17 e 18 de março, mas tomou forma em um breve documento que defende a aplicação do mecanismo a todos os imigrantes que chegarem à Turquia a partir de agora e assegura o princípio de que “para cada sírio que a Turquia readmitir, outro sírio será reassentado da Turquia para a UE”.
Segundo informações do jornal espanhol El País, a chanceler alemã, Angela Merkel, saudou a mudança como “um grande passo” e acrescentou: “Com isso, voltamos ao princípio: que o asilo é pedido no ponto de chegada e que o refugiado não escolhe aonde ir”. O que é falou é que foi precisamente ela quem alentou o deslocamento maciço de refugiados para seu território ao prometer que acolheria todos os sírios.
Publicamente, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, cujo país assume a presidência da UE neste semestre, só tinha defendido, ao chegar à cúpula, devolver à Turquia todos os estrangeiros que não fossem sírios. Contudo, em reunião realizada no domingo, Davutoglu lançou a proposta à UE, que incluiu a possibilidade de expulsar para a Turquia também os sírios que chegarem a solo europeu.
O que se percebe é que a Europa, alheia aos tratados internacionais, decidiu chancelar a mensagem lançada na quinta-feira passada pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que mandou o seguinte recado aos refugiados: “Não venham à Europa”.
As compensações que a Turquia pede para abrigar imigrantes e refugiados que forem reenviados pela UE – vista por muitos analistas internacionais como chantagem – são os seguintes. Primeiro aumentar os 3 bilhões de euros que a UE destinou a Ancara para possibilitar a assistência a mais de 2,5 milhões de refugiados sírios durante dois anos. Em segundo lugar, levar adiante o processo de adesão à UE, algo que causa arrepios em muitos Estados-membros. E, em terceiro, acelerar a isenção de vistos para os cidadãos turcos em viagem à Europa, com o objetivo de aplicá-la já em junho.
Também se estabelece um compromisso vago para criar “zonas humanitárias seguras” na Síria, algo que não está nas mãos de nenhum dos 29 signatários do acordo.
Além de dar detalhes sobre o pacto, Davutoglu se viu obrigado, pelas perguntas dos jornalistas europeus, a pronunciar-se sobre a liberdade de imprensa. Depois de as autoridades intervirem no principal jornal do país por causa de críticas ao regime, o mandatário turco negou as acusações e afirmou que a medida, adotada por um tribunal, foi tomada porque o jornal é acusado de crime de lavagem de dinheiro.
“Ninguém pode acusar a Turquia de não ter liberdade de imprensa. Ressaltei estas ideias a meus colegas; a liberdade de expressão é um valor compartilhado [com a União Europeia]”, acrescentou o líder turco.
A pedido de algumas delegações – especialmente a italiana – , o comunicado final dos 28 mais a Turquia incluiu uma vaga referência à “situação da imprensa na Turquia”, sem mais detalhes. Em uma tentativa de superar a tibieza com que os líderes abordaram esse assunto – para não pôr em risco o objetivo principal: selar o pacto sobre refugiados –, Tusk concluiu: “A liberdade de imprensa continua sendo fundamental e será avaliada no processo de adesão da Turquia à UE”.
A Turquia abriga quase 3 milhões de refugiados sírios, o maior número em todo o mundo, mas sua taxa de acolhimento de refugiados do Afeganistão e do Iraque é “muito baixa”, cerca de 3%.