Desfile de horrores
Por Cesar Vanucci *
“… Loucura, ou verdade, tanto horror perante os céus?”
(Relembrando Castro Alves)
Graças aos mágicos instrumentos eletrônicos deste nosso paradoxal e atormentado estágio civilizatório, podemos acompanhar a tempo e a hora o desfile contínuo de tragédias geradas pela ambição e insanidade humana. Não há, pois, como evitar sorver, em indigestas doses diárias, a angústia e preocupação provocadas pela desditosa e insolúvel questão dos refugiados. Somam hoje mais de 1.5 milhão e a tendência é de que o contingente duplique a médio prazo.
As imagens despejadas na tela, a começar pelo que rola nos devastados territórios onde tem origem a encrenca toda, são arrasadoras. Um vendaval de horrores! A começar pelos lances específicos da guerra, melhor dizendo, das guerras propriamente ditas – calamidades compostas de todas as calamidades imagináveis e mais as inimagináveis, como diria Vieira –, ceifando vidas preciosas, mutilando pessoas, reduzindo a escombros patrimônios valiosos. Uma após outra, as desgraças vão se acumulando.
Os atos de crueldade, levados a extremo paroxismo, no tratamento dispensado a “inimigos”, mostrados ao vivo e em cores. As fugas desesperadas rumo a destinos incertos e não sabidos. As traiçoeiras, para muitos fatídicas, travessias marítimas. As hostilidades, humilhações e desconfianças enfrentadas por boa parte dos condenados ao exílio, em locais tidos presumivelmente como de solidário acolhimento.
O desaparecimento – Deus do céu! – de menores em número elevado no fluxo caudaloso e desordenado das multidões, muitos comprovadamente aliciados à força pelas máfias de lenocínio. As provações de toda ordem nas caminhadas sem rumo definido. E, como já documentado contundentemente, a severa repressão das tropas de choque, na base do cassetete, jatos de água, balas de borracha, gás lacrimogênio e de pimenta e de outros “convincentes apetrechos”, a migrantes que imploram mais espaço nos guetos em que se acham confinados na civilizada Europa.
Parte das levas de refugiados está sendo jogada em terrenos desprovidos de qualquer tipo de conforto básico, inclusive banheiros. E, ainda assim, alguns dos “abrigos” vêm sendo demolidos por tratores e escavadeiras, de modo a impedir a chegada de mais foragidos do caos sírio e de paragens adjacentes.
Os conflitos de interesses em jogo são de tal ordem que se afigura praticamente impossível possam lograr êxito as tentativas de se por fim ao morticínio e à selvageria responsáveis pelo êxodo. Além do mais, a desejável absorção das correntes de refugiados pode, de outra parte, agravar-se acentuadamente face às mudanças políticas que andam acontecendo em alguns países europeus.
Os resultados eleitorais vêm favorecendo grupos radicais com propostas xenófobas que se contrapõem às medidas até aqui utilizadas para abrigar os retirantes chegados das plagas conflagradas. Medidas essas, ressalte-se uma vez mais, em desacordo volta e meia com os ideais da confraternização humana e preceitos civilizatórios basilares.
Tão tenebroso colapso humanitário confere, na verdade, gritante atualidade ao brado famoso emitido por Castro Alves noutro momento doloroso da história humana: “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se é loucura… se é verdade / Tanto horror perante os céus?!”
* O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora