Jovens são alvo do discurso do Estado Islâmico
O título acima foi a manchete da edição de Internacional da edição do Jornal do Commercio no domingo, 27 de agosto, com texto assinado por mim. Na matéria, o criminólogo espanhol David Garriga explica como o Estado Islâmico (EI) atua na captação de “soldados” na Europa e como muda rapidamente de estratégia, dificultando o trabalho das forças de segurança. No caso dos atentados de Barcelona e Cambrils, grande parte dos integrantes da célula terrorista era de jovens, muitos deles menores de idade.
Aqui, no Blog Mundo Afora, comparto com os leitores o link para o PDF da página da edição impressa, apenas acessível aos assinantes do jornal. E abaixo, reproduzo o texto na íntegra. Confira a reportagem e boa leitura!
Jovens são alvo de discurso do EI
Taíza Brito
Especial para o JC
BARCELONA – Os atentados de Barcelona e Cambrils, que deixaram 15 mortos e mais de 100 feridos, abrem um novo desafio no combate ao terrorismo na Europa. A atuação do grupo demonstra como o Estado Islâmico (EI), que assumiu a autoria dos ataques e esta semana fez novas ameaças à Espanha, muda constantemente a estratégia de radicalização dos “soldados” recrutados. O que dificulta o trabalho de detecção e desativação de células terroristas pelas forças de segurança.
As diferenças mais destacáveis, segundo as autoridades que investigam o caso, são a juventude dos autores, o alto número de membros da célula e uma procedência comum, o pequeno município de Ripoll, a 107 km de Barcelona. A cidade tem apenas 9 mil habitantes, dos quais cerca de 700 são muçulmanos.
Amigos, profesores e vizinhos ainda estão em choque e sem saber como foi possível que os jovens, considerados bons estudantes, trabalhadores e sem histórico conflitivo, se transformaram em máquinas de matar. Também causa perplexidade como o imã Abdelbaki Es Satty, apontado como cérebro dos ataques e responsável pela conversão do grupo, foi hábil e discreto na conversão do grupo.
Nas redes sociais os jovens apresentavam um perfil baixo de radicalização, o que indica que o doutrinamento se deu pessoalmente. Suspeita-se que não apenas nos encontros secretos com Es Satty, mas possivelmente através de contatos realizados em outros países, como a França, a Bélgica e o Marrocos, para onde viajaram recentemente. Não há indícios de vínculos com a Síria ou o lraque, como acontece frequentemente.
“Trata-se de um terrorismo que evoluciona muito rápido. Muda nos alvos a recrutar, nas estratégias de captação, na narrativa utilizada, nas ações dos atentados”, explica o criminólogo espanhol David Garriga, especialista em terrorismo jihadista e integrante da Comunidade de Inteligência e Segurança Global, que reúne especialistas no tema.
Para Garriga, o fato de uma célula tão grande – a maior na Europa até agora – conseguir transitar sem chamar a atenção mostra que os terroristas sabem muito bem como passar desapercebidos no Ocidente. “Nos conhecem e se aproveitam de nossas debilidades e fissuras do sistema”, complementa. Segundo ele, o EI nunca utiliza uma única via de captação e radicalização. “Normalmente combinam as redes sociais e o cara a cara com o recrutador”.
Considerando este cenário, Garriga aponta que as comunidades islâmicas, assim como o resto da sociedade têm um papel muito importante para evitar a radicalização e alertar às autoridades.
“Não é possível que familiares e amigos não tenham percebido mudanças de comportamento. Alguns relatos já indicam que os rapazes deixaram de sair com amigos, de ir a festas e abandonaram as partidas de futebol. “Por isso é muito importante trabalhar em educação com relação a signos de radicalização para evitar a conversão violenta”, recomenda.
Um ponto fundamental é evitar que os jovens encontrem atrativos nos discursos do EI, que comumente se aproveita da vulnerabilide dos indivíduos. Neste aspecto, os jovens imigrantes, por mais que aparentem estar integrados, muitas vezes não se sentem parte da sociedade na qual vivem tornando-se presas fáceis. “O sentimento de passar a pertencer a um grupo lhes dá segurança. Por isso, famílias, professores, pais, todos são atores necessários para lutar contra o discurso daninho do EI”, indica Garriga.
Para o especialista, é importantíssimo que a Europa se unifique. “Polícia, informação e sociedade devem lutar de maneira homogênea, informada e atualizada contra os ataques terroristas”.
AÇÃO DA POLÍCIA REFORÇA IDEIA DE INDEPENDÊNCIA
Os atentados na Catalunha acabaram por reforçar o clima de independência da região. O governo espanhol boicotava a atuação dos Mossos d’Esquadra, a polícia da Catalunha, nos círculos internacionais de investigação e prevenção contra o terrorismo. A retaliação à região com desejos separatistas tinha o objetivo de evitar projeção internacional.
Com isso, o cérebro dos ataques, o imã Abdelbaki Es Satty, agiu sem ser incomodado desde 2015 na Catalunha, apesar de sua folha corrida em território espanhol, que mostrava, inclusive, suposta ligação com o grupo terrorista Al Qaeda. Todas estas informações só vieram à tona, pela imprensa, após os atentados.
O governo espanhol, contudo, não conseguiu interferir na atuação dos Mossos d’Esquadra após o ataque. A eficiência no trabalho de investigação após os atentados, detendo ou abatendo os integrantes da célula terrorista, foi elogiadíssima por corpos policiais de toda Europa e pela imprensa internacional. The Guardian britânico e o americano The Washington Post, publicaram editoriais indicando que a atuação da polícia catalã demonstra que a região está pronta para a independência. O reconhecimento cidadão também aumentou. É comum nestes dias que transeuntes pararem para aplaudir quando encontram efetivos na rua.
Por outro lado, o governo espanhol teve um papel coadjuvante neste processo. A Catalunha prepara-se para realizar um referendo sobre a independência no próximo dia 1º de outubro.