Fragilidade das acusações contra líderes catalães vem à tona durante julgamento, segundo observadores
Depoimento de Jordi Sànchez foi um dos mais contundentes da segunda semana de julgamento, expondo a fragilidade da acusação de rebelião contra o ativista, que pode pegar até 17 anos de prisão, e do relato de violência por parte dos independentistas em outubro de 2017
Há mais de quinhentos dias no cárcere, Sànchez é apontado como um dos responsáveis pela convocatória da multitudinária manifestação ocorrida em Barcelona em 20 de setembro de 2017 e pelos danos materiais provocados a dois carros da Guarda Civil. Naquele dia, milhares de pessoas se concentraram nas imediações do Departamento de Economia, onde funciona a Vice-Presidência do Governo da Catalunha, para protestar contra a prisão de integrantes do então governo. A polícia espanhola havia entrado no prédio e buscava documentos e arquivos digitais que comprovassem a organização do referendo previsto para 1º de outubro.
O ativista também é acusado pela organização do referendo, que acabou acontecendo mesmo sendo decretado ilegal pelo Tribunal Constitucional (TC). Na jornada de votação, mais mil pessoas foram feridas pela polícia espanhola, que tentava impedir o prosseguimento da consulta na qual mais de dois milhões de pessoas votaram e mais de 80% se manifestaram a favor da independência.
No depoimento de Sànchez, tomado no Tribunal Supremo na última quinta-feira (21), o ativista iniciou sua fala dizendo que se considera um “preso político” e que está em um julgamento também político. “Estou convencido de que estou aqui por ter sido presidente da ANC”, alfinetou, ao complementar que “defender a independência é claramente legítimo”.
Interpelado pelo promotor, Sànchez informou que a convocação aos cidadãos em 20 de setembro de 2017 para defender as instituições catalãs não foi dele e, sim, de um grande número de entidades. Ele explicou que a mobilização foi convocada na interseção entre a Rambla de Catalunya com a Gran Via, mas que antes disso muita gente já havia ido espontaneamente para a frente do Departamento de Economia, localizado a uma quadra de onde se realizou o protesto.
Sànchez detalhou tudo o que fez naquele dia, explicando que quando chegou ao local, por volta das 10h, já havia muita gente, inclusive jornalistas. “Todos os meios de comunicação já estavam lá e estavam em cima dos carros da Guarda Civil para conseguir imagens”, explicou. Esse detalhe é importante porque entre os argumentos da acusação está que o ativista destruiu os carros da polícia ao subir em um deles junto com o presidente da Òmnium, Jordi Cuixart, também preso pela acusação de rebelião.
O deputado explicou que isso aconteceu já depois da meia-noite, com anuência de agentes da Guarda Civil, para pedir que os manifestantes que ainda se concentravam no local que fossem embora. Antes disso, Sànchez e Cuixart haviam organizado um cordão de voluntários para facilitar a saída dos agentes policiais e da justiça que estavam no prédio. Contudo, os encarregados de vasculhar a sede do Departamento de Economia resolveram sair pela parte de trás alegando risco por conta da multidão.
“Ficamos surpresos com a adesão à manifestação. Tínhamos uma previsão de que estariam umas duas mil pessoas”, explica. No dia se contabilizou a presença de ao menos 40 mil pessoas nas imediações protestando contra a ação judicial. Sànchez remarcou que a Guarda Civil havia deixado dentro de seus veículos, com as portas destravadas, armas de grosso calibre, mas que felizmente não houve problema algum. E que pediu proteção para os carros onde haviam armas.
“O protesto foi pacífico, é o que foi registrado nas câmeras de segurança dos edifícios ao redor e foi diminuindo graças, em parte, aos meus apelos e os de Jordi Cuixart”, relatou, ao dizer que nem ele nem ninguém bloqueou o caminho da comitiva judicial. “O corredor para facilitar a entrada e saída do Departamento foi mantido até o último instante”.
Sànchez explicou que “a secretária judicial saiu pelo pátio interior do Departamento, e não pelo telhado”, como haviam dito. “De todas as formas, poderia ter saído pelo corredor, porque naquele dia passaram centenas de pessoas”, completou. O ativista também negou que os voluntários tivessem aberto a porta dos veículos policiais, com as armas no interior. E explicou que os policiais, agressivamente, dispersaram os manifestantes que ainda estavam diante do Departamento de Economia depois de meia-noite.
EMBATE – Um dos momentos mais tensos do interrogatório de Sànchez aconteceu já no final quando o promotor Javier Zaragoza mostrou uma das “provas mais contundentes” que tinha para acusa-lo de rebelião. No telão na sala do júri exibiu um correio eletrônico enviado a Sànchez em 28 de setembro de 2017, três dias antes do referendo, por uma pessoa chamada Xabi Strubell. Na mensagem era interpelado sobre os planos para fechar com veículos as ruas adjacentes aos colégios eleitorais no dia do referendo.
Ao responder que não conhecia tal pessoa, o fiscal insistiu várias vezes na mesma pergunta. Sànchez respondeu que dava para verificar que tal correio não havia sido lido e tampouco havia sido enviada resposta ao interlocutor. Com a insistência do promotor, Sànchez sapecou a resposta que atingiu o presidente do julgamento, o juiz Manuel Marchena.
“Perdão, não quero ser impertinente. Mas há mensagens de Whatsapp que foram enviadas e comprometeram o bom nome e a dignidade do presidente desta sala. E ele respondeu que não sabia nada destas mensagens”, disse. Sànchez se referia à divulgação de mensagens de Ignacio Cosidó, que insinuava que o Tribunal Supremo, responsável pelo julgamento dos independentistas, estava controlados pelo Partido Popular (PP) e pelo Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE). O que deu margens a comentários sobre a submissão da justiça aos partidos que controlam a política na Espanha.
Periodistes internacionals veuen “febles” les acusacions als presos polítics via @elnacionalcat https://t.co/GD9VNE891Z
— José Antich (@joseantich) 22 de fevereiro de 2019
O depoimento de Sànchez, somado aos testemunhos do presos ouvidos desde o início do julgamento, em 12 de fevereiro, tem levantado dúvidas sobre a solidez das acusação contra os líderes catalães, que juntos podem pegar até 200 anos de prisão pelas acusações de rebelião, sedição e malversação de fundos públicos. Há informações que até entre os jornalistas de Madri, sempre virulentos quando se trata de escrever sobre os independentistas, começaram a questionar o relato da acusação. Entre os observadores internacionais de diversos países que assistem ao julgamento também há questionamentos, bem como entre jornalistas internacionais que cobrem o caso.
DEPOIMENTOS – Esta semana também depuseram Jordi Turull, Raül Romeva, Josep Rull, Dolors Bassa, Meritxell Borràs, Carles Mundó e Santi Vila, todos ex-secretários do governo catalão. Na próxima semana estão previstos os depoimentos do presidente da Òmnium Cultural, Jordi Sânchez, e da ex-presidente do Parlamento, Carme Forcadell. Na primeira semana depuseram o ex-vice-presidente Oriol Junqueras e o ex-secretário Joaquim Forn.