Venda de escravos na Líbia é debatido por líderes mundiais que há anos ignoram vergonhoso comércio
Muitos subsaarianos que tentam chegar à Europa através da Líbia se tornam vítimas de redes criminosas de comércio de escravos. Líderes africanos e europeus são cobrados a dar resposta ao problema após denúncia da rede de notícias CNN
O espinhoso tema da venda de escravos na Líbia estará sobre a mesa hoje na Cimeira África-União Europeia, em Abidjan, na Costa do Marfim. Os cerca de 80 chefes de estado que participam do encontro se vêem forçados a dar resposta a um problema antigo para o qual têm fechados os olhos nos últimos anos após reportagem divulgada no último dia 14 de novembro pela CNN. No vídeo, a rede de notícias norteamericana mostra leilão no qual homens são vendidos por cerca de 400 doláres, causando indiganação em todo o mundo.
O tema central da cimeira são as migrações de massa das costas africanas para a Europa, fenômeno que tem levado milhões subsaarianos que buscam chegar à Europa através da costa da Libia a se tornarem vítimas de redes criminosas organizadas. Que os aprisiona com a finalidade de vendê-los como escravo. Os que conseguiram escapar relatam maltratos, espancamentos e violência sexual e mortes.
O problema já foi denunciado diversas vezes, sem que as autoridades europeias e africanas se imutem. Em abril, as Nações Unidas, através da Oganização Internacional para as Migrações (OIM), divulgou denúncias de sobreviventes. Agência da ONU descreveu o território líbio como “um arquipélago de tortura”, relatando entre os casos, o de um refém liberto em Trípoli que pesava 35 kg e tinha ferimentos pelo corpo.
Após a denúncia da CNN, muitos líderes africanos e europeus se pronunciaram, condenando o comércio de escravos em pleno século XXI. O secretário-geral da ONU, António Guterres, manifestou-se “horrorizado” e exigiu investigação urgente para que os responsáveis respondam por crimes contra a humanidade. O Conselho de Segurança da ONU, atendendo a solicitação do presidente da França, Emanuel Macron, comprometeu-se a discutir medidas mais fortes, possivelmente incluindo sanções.
Na cimeira de Abidjan há duas propostas. Uma delas é a criação de um plano de apoio europeu à África, uma espécie de Plano Marshall, que na II Guerra Mundial os EUA aplicaram para ajudar a Europa a recuperar da destruição da guerra. A outra é a criação de mecanismos que permitam acabar com um dos elementos mais corrosivos das sociedades africanas, que é a corrupção e o nepotismo.
Contudo, como nas edições anteriores da cimeira entre europeus e africanos, muito se falou, mas nada de efetivo foi feito. Com isso, mantêm-se projetos de apoio ao desenvolvimento africano claramente ineficazes.
PROBLEMA ANTIGO – A reportagem da CNN revelou um mercado de escravos perto de Trípoli, capital da Líbia, através de imagens captadas por um telefone celular, no momento em que ocorrria a venda de dois homens. No áudio captado, ouve-se alguém afirmar que “os homens são vendidos por 1.200 dinares libaneses ou 400 dólares cada (339 euros, ao câmbio atual)”.
Depois das reações unânimes de condenação, o mundo parece a acordar para o problema que já se arrasta há vários anos. No início deste século começaram a ocorrer as primeiras ondas de migrantes africanos para a Europa, a partir das costas de Marrocos, e depois da Mauritânia e Cabo Verde, em direcção às ilhas Canárias, na Espanha.
Com isso, aumentou o cerco da vigilância nas fronteiras, com a União Europeia criando o programa Frontex, uma força militar envolvendo grupos terrestres, aéreos e da Marinha com intuito de interromper o fluxo das pequenas embarcações rumo ao continente europeu.
Espanha foi dos primeiros países a receber ondas de imigrantes clandestinos, nos seus territórios do Norte de África como Ceuta e depois nas costas da Andaluzia. O fluxo, com o caos instalado em países como a Líbia, começou a partir da parte oriental da África do Norte, sobretudo para Itália, com destaque para a Sicília e a ilha de Lampedusa.
Já em 2007, o conhecido e respeitado curador do Museu da Escravatura, Joseph N”Daye, na ilha de Gorée, no Senegal, chamava a atenção do mundo para aqueles que apelidou de “escravos dos tempos modernos”, referindo-se às dezenas de barcos que partiam diariamente das costas também do Senegal rumo à Europa.
Dizia Joseph N”Daye que tal como os escravos dos idos de 1600, também estes partiam rumo ao desconhecido, com total insegurança, desprotegidos, sem nenhum direito e sob o risco de morrerem na travessia.