Richarlison é “ídolo que os brasileiros merecem” pós Bolsonaro, segundo The Guardian
Artilheiro está sendo celebrado como muito mais do que apenas um herói esportivo após gols contra a Sérvia na Copa do Mundo
O nome do jogador da Seleção Brasileira Richarlison invadiu não só as buscas na Internet na última quinta-feira (24) após o camisa 9 marcar os dois gols que selaram a vitória da Canarinha contra a Sérvia na estreia no Mundial do Catar, como também estampou manchetes em noticiários de todo o mundo. O voleio de Richarlison na segunda marcação, considerado o gol mais bonito da primira fase da Copa do Mundo, abriu espaço para que fosse apontado pela mídia como “o ídolo que os brasileiros merecem“ após a era Bolsonaro, como escreveu o jornalista Tom Phillips para o The Guardiam.
O atacante que integra o time do Tottenham, da Inglaterra, está sendo celebrado muito mais do que apenas um herói esportivo. Fãs, especialistas e políticos brasileiros saudaram Richarlison como um modelo de decência humana, compaixão e bom senso após quatro anos extenuantes em que o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro dividiu a sociedade, destruiu o meio ambiente e lidou mal com um surto de Covid que matou quase 700 mil pessoas.
Richarlison, conhecido pelo codinome de o Pombo pelos torcedores, é de longe o integrante mais progressista da seleção brasileira. Nos últimos anos, quando sua terra natal caiu sob o controle do governo de extrema-direita de Bolsonaro, falou repetidamente sobre temas como racismo, pobreza, violência policial e de gênero, direitos LGBTQ+ e destruição ambiental. Também questionou como a camisa amarela do Brasil foi arrastada para a disputa política do país e adotou uma onça para destacar as ameaças ao Pantanal brasileiro.
Quando o jornalista britânico Dom Phillips e o especialista indígena brasileiro Bruno Pereira desapareceram na Amazônia em junho passado, Richarlison foi uma das primeiras celebridades a defender a campanha para tentar encontrá-los. “Além de tudo, ele é sensível e comprometido com o Brasil”, tuitou a viúva de Pereira, Beatriz Matos, para o jogador nesta sexta-feira (25).
COVID – Durante a devastadora emergência do coronavírus no Brasil – que Bolsonaro chamou de “pequena gripe” – Richarlison apoiou publicamente os esforços de vacinação que o presidente negador da ciência havia minado ativamente. “Ele não é apenas uma estrela dentro de campo, é uma estrela fora dela também”, disse o ativista da favela Rene Silva, lembrando como Richarlison doou cilindros de oxigênio para a cidade amazônica de Manaus quando seu sistema de saúde quebrou durante a pandemia.
Juca Kfouri, um dos principaiscríticos de futebol do Brasil disse que a adoração por Richarlison, embora talvez um pouco excessiva, reflete como milhões de torcedores progressistas estavam desesperados para se apaixonar por um time com o qual muitos ficaram profundamente desiludidos.
Particularmente culpado por esse distanciamento foi Neymar, que alienou milhões de brasileiros progressistas ao apoiar a tentativa fracassada de reeleição de Bolsonaro e depois prometer dedicar seu primeiro gol na Copa do Mundo a ele. Outros jogadores, incluindo o zagueiro Dani Alves, também apoiaram Bolsonaro, que perdeu a eleição de outubro para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Richarlison representa um lado mais amoroso e afetuoso da seleção brasileira”, disse Kfouri. “Ele é visto como um cidadão que realmente se preocupa com o Brasil.” Bolsonaro está calado desde que perdeu a eleição do mês passado e não disse nada sobre o triunfo do Brasil no Catar. Os políticos de esquerda, por outro lado, se uniram na homenagem a Richarlison e seu companheiro de equipe Vinícius Júnior, que ajudou a criar o gol sensacional e também tem falado abertamente sobre questões como o racismo.
“Muito mais que um grande jogador, Richarlison é um cidadão exemplar”, tuitou o político do Partido dos Trabalhadores, Paulo Pimenta. Escrevendo no site negro Alma Preta, o jornalista Pedro Borges descreveu o estado de êxtase em que se encontrou ao ver Richarlison e Vinícius brilharem. Ele escreveu: “Não apenas pela vitória do Brasil… [mas] porque os jogadores de destaque foram atletas negros que respeitam nossa história, que não ignoraram o sofrimento do povo e que entendem o papel que eles têm em nosso país.”
Rene Silva disse que os esforços de Richarlison fora do campo, que também incluem ajudar pacientes com câncer, o tornaram uma inspiração para crianças e adolescentes. “Ele é um ídolo brasileiro”, disse Silva. “Depois de tudo o que passamos, este foi um momento de esperança.”
No artigo do The Guardiam Tom Phillips afirma que Richarlison não é só o camisa 9 da Seleção. Em meio às fotos dos inúmeros gols que já fez com a amerelinha do Brasil, em suas redes sociais, ele compartilha memes, suas tatuagens do Taz-Mania, Papaléguas e Pato Donald, além de seus posicionamentos sobre causas sociais e ambientais, algo incomum entre jogadores de futebol.
O atacante do Tottenham não deixa nada passar despercebido. Da morte de George Floyd e inúmeros outros casos de racismo também no futebol, ao apagão no Amapá, passando pela pandemia de covid-19, até as queimadas no Pantanal, Richarlison está sempre disposto a colocar o dedo na ferida. O que, para ele, não passa de algo normal. “Faz parte do que eu sou, da minha origem”, comenta o capixaba de Nova Venécia (ES).
Em visita ao Pantanal, o atacante chegou até a adotar uma onça. Acerola hoje vive aos cuidados do Onçafari, ONG que por meio do turismo ecológico protege onças e a vegetação da região. Richarlison conheceu Acerola e o projeto em uma ação da Nike, fornecedora de material esportivo da seleção brasileira, para o lançamento da camisa que o Brasil está usando na Copa do Mundo.