Abolição da “polícia moral” do Iran, verdade ou cortina de fumaça?
Anistia Internacional alerta que mundo precisa continuar atento ao que acontece no Iran após recuo do governo do país motivado por protestos pela morte de Jina Amini
A Anistia Internacional publicou hoje no Twitter que “a comunidade internacional não deve ser enganada por afirmações dúbias sobre a dissolução da ‘polícia da moralidade’ do Irã”, como foi divulgado esta semana. Para a ONG, a população do país ainda necessita da atenção e ação do mundo. A ‘polícia da moralidade’ esteve envolvida na morte da jovem Jina Amini por não usar o véu devidamente e deixar à mostra parte do cabelo, o que desencadeou uma onda de manifestações contra o regime islâmico de Ebrahim Raisi. Estima-se que foram mortas entre 200 e 400 manifestantes.
O anúncio da dissolução da ‘polícia da moralidade’ ocupou manchetes en todo o mundo esta semana após a fala do fiscal geral do Irã, Mohammad Jafar Montazari. O procurador explicou que a decisão foi tomada porque querem encontrar “uma solução prudente” para a questão. A polícia moral, ou patrulha Irshad, tem sido alvo de sanções internacionais pela repressão da população durante os protestos, sobretudo do seu dirigente em Teerão, Ahmad Mirzaei.
Contudo, o anúncio foi recebido com cautela, como explica a jornalista Txell Freixas, no Twitter: “A supressão da polícia moral que controla as mulheres é uma tentativa de conter os protestos pela morte de Jina M. Amini. É uma grande vitória do feminismo no país, mas os aiatolás subestimam que os manifestantes não estão gritando contra o hijab, mas para derrubar o regime”, analise em publicação na rede social.
MORTES – No último sábado, o ministro do Interior reconheceu que desde o início das manifestações pelo assassinato de Jina Amini morreram mais de 200 pessoas, incluindo integrantes das forças de segurança e dos grupos armados que o regime considera antirrevolucionários. O último balanço do público pelo general Amirali Hajizadeh, dos Guardiões da Revolução Islâmica, ao contrário, aumentou até mais de 300 vítimas mortais.
A ONG Iran Human Rights, de Oslo, contabiliza mais mortes, que poderiam chegar a 448 pessoas. A agência de notícias sobre direitos humanos HRANA contabiliza que morreram 470 manifestantes, 64 dos quais eram menores, e 61 integrantes das forças de segurança. Estima-se que cerca de 2 mil pessoas foram detidas e acusadas de diversos delitos por terem participado das manifestações. HRANA, por sua vez, multiplica esse número por nove e fala em 18.210 manifestantes presos.
Entre as pessoas presas por protestar está, até recentemente, Farideh Moradkhani, sobrinha do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, que denunciou a repressão em um vídeo publicado nas redes sociais. Os protestos também se traduziram em gestos quotidianos, como o que fazem sempre que decidem sair à rua sem o véu. Mulheres jovens, especialmente na universidades. A polícia moral foi fundada pelo ultraconservador Mahmud Ahmadinejad, que presidiu o Irã entre 2005 e 2013, para “difundir a cultura da decência e do hijab”.
Diante da realidade do país, é preciso velar com cautela em que se traduzirá, na prática, o desaparecimento da polícia moral, porque Montazari tem ressaltado que esse órgão não depende do sistema judiciário, que continua monitorando o comportamento público.