O que muda entre Reino Unido e União Europeia com o Brexit a partir de 2021?
Acordo ratificado pelo Reino Unido e União Europeia passa a valer em 1º de janeiro, com impactos em diversos setores
O genuíno significado do Brexit começa a tomar forma a partir do próximo 1º de janeiro de 2021 quando entra em vigor o acordo assinado entre o Reino Unido e a União Europeia (EU). Fechado em extremis no dia 24 passado, foi ratificado hoje, em breve cerimônia em Bruxelas, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. O documento, seguiu para Londres, onde recebeu a assinatura do primeiro-ministro Boris Johnson e foi aprovado pelo legislativo.
Today, @eucopresident and I signed the EU-UK Trade and Cooperation Agreement.
Prime Minister @BorisJohnson will sign it later today in London.
It has been a long road. It’s time now to put Brexit behind us.
Our future is made in Europe. pic.twitter.com/fjybWryJNY
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) December 30, 2020
O acordo significará muitas mudanças após as 12 badaladas do dia 31 dezembro. Londres e Bruxelas descobrirão as verdadeiras repercussões de começar do zero, após quase cinco décadas de viagem comum. As consequências afetam praticamente todas as áreas do cotidiano de um país que, no referendo de 2016, optou pela soberania, ao invés do pragmatismo econômico.
O resultado final é um compromisso que incidirá desde o comércio comercial à circulação dos cidadãos, conforme o Blog Mundo Afora detalha a seguir:
Comércio
Raiz fundamental do pacto, implica, em primeiro lugar, em reinstaurar fronteiras onde não existiam. Isso implica em controles aduaneiros e apresentação de documentos até então desnecessários. Embora o Reino Unido tenha feito questão de não estabelecer tarifas ou taxas, as empresas dos dois lados do Canal verão como suas operações se tornarão mais complexas e burocráticas.
Atualmente a UE é responsável por 51% de todo o comércio internacional dentro e fora dos portos britânicos. Assim, estarão afetadas as relações de 250 mil empresas que se relacionam com o bloco, não só os gigantes do parquet britânico, mas também as PMEs e autônomos que dependiam vitalmente do acesso. Todos os dias, até 10.000 caminhões entram no país por grandes portos como Dover, que movimenta mais de um sexto das mercadorias comercializadas no Reino Unido.
Agricultura
Cerca de 55% dos alimentos consumidos no Reino Unido são produzidos em casa, sendo que quase todo resto vem da UE. A agricultura é, de fato, uma das áreas em que o acordo sacrifica mais acesso ao mercado comunitário, para ganhar flexibilidade para negociar com o resto do mundo. Assim, os produtores podem se preparar para as certificações veterinárias, entre outros controles, uma vez que Londres e Bruxelas não reconhecerão seus respectivos sistemas de proteção animal e vegetal.
O acordo significa, acima de tudo, libertar-se dos constrangimentos da Política Agrícola Comum, que tem levado o Governo britânico a promover a máxima revolução no setor nas últimas décadas, visto que para os subsídios levará em conta, pela primeira vez, a utilização de fatores de terra e sustentabilidade, ao invés de produção, como o bloco faz. O objetivo é aumentar a autossuficiência alimentar do país, ambição muito questionada, mas também oferecer a oportunidade de abertura a outros mercados, que poderiam, a priori, baixar o preço dos alimentos.
Pesca
A pesca foi o grande obstáculo da negociação até o último minuto. Uma transição de cinco anos e meio selou o consenso, por isso será uma das áreas com menor repercussão imediata. O acordo contém o chamado impasse gradativo. A redução de acesso às águas britânicas para pesca irá se reduzindo 4,5% ao ano e, a partir do verão de 2026, terá início o novo regime, que concederá ao Reino Unido a soberania no acesso às suas águas.
A partir daí, as negociações serão anuais e só então Londres poderá reduzir ainda mais a margem dos navios europeus, seja por meio de cotas, seja pela exclusão do número de navios que podem operar. A fórmula constitui um ajuste máximo para permitir que ambas as partes declarem vitória, já que Londres pode alegar que recuperou a soberania em 2025 e os pescadores da comunidade, que seus direitos estão vinculados ao acesso.
Movimento de pessoas
Abolir a liberdade de movimento foi uma das grandes promessas do referendo de 2016 e o governo liderado por Boris Johnson, grande padrinho do Brexit, não teve escolha a não ser garanti-la. Os europeus verão severas restrições à mudança para o Reino Unido, bem como os britânicos para ir ao continente.
A possibilidade de trabalhar, estudar ou promover um negócio desaparece livremente e os vistos serão necessários para ficar mais de 90 dias em terras britânicas, enquanto os cidadãos do Reino Unido terão que verificar as regras específicas de cada um dos 27 países da UE, como o que é preciso para se candidatar a residência ou ter um emprego.
Um dos segredos do acordo Brexit é que inclui uma lista de profissões que podem exercer por três meses sem necessidade de visto, o problema é que existe uma ampla gama de setores, que incluem profissionais do esporte, ou artes, que nele não aparecem. Isso abre novas questões, uma vez que os casos que envolvem a venda de bens ou serviços exigirão licenças que acarretarão inevitavelmente custos.
Além disso, os documentos obrigatórios para viajar, como o passaporte, terão que ter validade superior a seis meses, e o cartão comunitário de saúde perderá a validade, o que exige um seguro de viagem que cubra a saúde.
Serviços financeiros
Embora a situação ainda não seja clara, a saída do mercado comum leva inevitavelmente à erosão do acesso aos serviços financeiros, especialmente porque o acordo de véspera de Natal não estabelece diretrizes específicas. Longe de ser um descuido, a ambigüidade é intencional, já que mais de 40% das exportações britânicas para a UE são de serviços, setor que monopoliza a produção britânica, 80% do total.
O que está claro é que, desde 1º de janeiro, os direitos automáticos desaparecem e o que resta é o compromisso de chegar a um entendimento antes do final de março para garantir a equivalência, ou seja, o reconhecimento mútuo da regulação para permitir operar em ambos os territórios. No entanto, nenhum acordo equivalerá à adesão ao mercado único e, de fato, o acordo não inclui disposições para cooperação regulatória como as que Bruxelas estabeleceu em outros acordos comerciais, como o selo com o Japão.
A urgência para o Reino Unido aqui é clara, pois é uma das poucas áreas em que desfruta de uma vantagem competitiva. Portanto, terá de ficar bem, dado que a UE tem demonstrado uma agilidade notável na retirada de direitos de equivalência e se há algo de que os investidores precisam é de segurança jurídica. Inevitavelmente, no entanto, as empresas que desejam operar em um dos estados membros abrindo um escritório físico podem se preparar para uma maior complexidade, pois tanto o acesso ao mercado quanto a regulamentação variam de país para país.
Educação e formação
Uma das áreas que sofrerá profundas mudanças é a educação e a formação profissional, à medida que o reconhecimento automático desaparecer. Os britânicos que desejam trabalhar na UE devem buscar a equivalência no Estado membro em que desejam exercer, pois tudo o que se oferece é um Reconhecimento Mútuo de Qualificações Profissionais como o estabelecido com o Canadá e cuja aplicação é quase arbitrária. Assim, na prática, são os reguladores e as organizações de cada setor que estabelecem os protocolos, o que abre caminho a diferentes interpretações do espírito do acordo, dependendo dos interesses de cada setor e de cada país.
O negociador-chefe da UE, Michel Barnier, desconfiava profundamente das demandas britânicas sobre o assunto, pois considerava que Londres tentava estabelecer uma fórmula muito semelhante ao mercado comum, justamente quando o Reino Unido decidiu abandoná-la. Como consequência, a realidade será determinada pelos grupos profissionais de cada Estado membro e quaisquer limitações adicionais derivadas da mobilidade do trabalho.
Além disso, outro grande valor agregado que estudantes universitários britânicos e europeus podem esquecer a partir de 1º de janeiro é o programa Erasmus, uma vez que o governo de Boris Johnson decidiu abandoná-lo, considerando os custos desproporcionalmente altos. Sua iniciativa equivalente é chamada de Turing, em homenagem ao matemático britânico.
Transporte
Felizmente para a indústria de transporte aéreo e transporte, as condições permanecerão as mesmas para aeronaves de passageiros e de carga, já que poderão voar e pousar na UE, incluindo escalas em Heathrow e outros aeroportos britânicos originados fora do Reino Unido. Os aviões continuarão operando com base em um entendimento temporário, que terá que ser revisto. Além disso, as transportadoras poderão continuar a circular para países fora da UE sem autorizações especiais, um alívio para o setor da logística, que temia que os motoristas fossem detidos.
Remessas
Quem vai notar a mudança são os europeus que enviam algo para o Reino Unido ou da ilha da Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales) para a UE, pois precisarão de mais do que um selo. Qualquer embalagem que contenha mercadorias, ou seja, além de cartas, cartões postais ou documentos, deverá preencher uma declaração alfandegária, caso contrário poderá ser retida.
Segurança
O Reino Unido abandona o sistema que rege os mandados de detenção europeus e deixará de ser membro de pleno direito da Europol, ou Eurojust, embora tenha garantido a “cooperação” com ambas, bem como entre a polícia e as autoridades judiciárias. Além disso, manterá um mecanismo de acesso ao Sistema de Informação Schengen, ou seja, a base de dados que permite compartilhar alertas sobre bens furtados ou desaparecidos.
A cidade de Londres
Por outro lado, o acordo comercial Brexit entre o Reino Unido e a União Europeia ainda deixa muitas perguntas sem resposta para bancos, gerentes, corretores e qualquer gestor de dinheiro na cidade de Londres. O pacto alcançado não inclui que os serviços financeiros da Grã-Bretanha possam continuar a ter acesso continental. A partir de 4 de janeiro, o mercado europeu de ações, títulos e derivativos será dividido em dois. As autoridades temem que o primeiro dia útil para os mercados do novo ano uma alta volatilidade e episódios de tensão. David Howson, presidente da Cboe Europe, explica que quase todo o comércio internacional de ações europeias migrará da noite para o dia.